Fernandes – Atividade

FERNANDES, Sérgio L. de C.. Filosofia e Consciência. uma investigação ontológica da Consciência. Rio de Janeiro: Areté Editora, 1995.

Toda atividade arregimentada por um método será reação, jamais ação. É preciso compreender o ponto cego de toda atividade. É preciso compreender a raiz dessa ignorância mesma, constitutiva de toda reação. Ora, se não há método, se “metodologia” é apenas um nome pretensioso que damos à nossa irracionalidade, então, a rigor, em última análise, jamais sabemos o que fazemos, no sentido do porquê o fazemos. Somos, literalmente, aqueles que, a exemplo dos animais irracionais, não sabem o que fazem. Somos aqueles que, segundo as Escrituras, são irresponsáveis, não sabem verdadeiramente o que fazem, e por isso devem ser perdoados. Qual é o significado de tudo isso?

Tudo isso deveria ser óbvio, pois o que nos move, nossas intenções, ou razões para fazer algo, nada mais são do que as consequências esperadas, desejadas, e não podemos prever as infinitas consequências de cada uma de nossas ações. O ponto de parada de nossas considerações será necessariamente arbitrário. A decomposição do que consideramos ser “uma” ação em partes, em sub-ações, assim como a nossa ideia da composição de uma ação a partir dos nossos movimentos também é, em última análise, arbitrária. A delimitação do que consideramos ser “uma” causa, ou “um” efeito, depende estritamente de nossas expectativas teóricas. E estas serão sempre compatíveis com a mera coincidência. Como deveria, então, parecer-nos tola nossa preocupação com os métodos! A dualidade de meios e fins, de ações e resultados desejados, constitui nossa ignorância. E essa ignorância tem um significado. Ela significa que nos concebemos a nós mesmos como agentes, como aqueles que fazem, os autores, as causas dos supostos efeitos produzidos pelas ações. Na verdade, dizer que há vários caminhos para a mesma meta — várias “metodologias alternativas” —, que há várias causas possíveis para um mesmo efeito, que há várias ações para um mesmo resultado, não traduz nenhum conhecimento, é a expressão mesma da nossa ignorância a respeito do fazer, e do que fazemos. Somos como o idiota que viaja de trem carregando nos próprios ombros o que considera ser a “sua” bagagem, quando é o trem que nos carrega a todos, supostas “bagagens” inclusive.

Não sabemos sequer porque fazemos o que fazemos, mas julgamos acerca do valor, da correção do que fazemos. “Metodologia” é conhecimento normativo. Não adianta descrever apenas o que se faz de fato, pois o que se faz de fato pode estar errado. Ou será que a Árvore se conhece pelos frutos? Ou será que os fins justificam os meios? É evidente que das metas atingidas não podemos inferir a correção dos métodos. Se desejamos manter, como me parece correto, e apesar da Bíblia, que os meios não justificam os fins, então há algo errado com todos os consequencialismos, com todos os utilitarismos e, — porque não acrescentar — com todas as metodologias.