Gusdorf («La révolution galiléenne») – racionalidades confrontantes no século de Galileu

G. Gusdorf, La révolution galiléenne, op. cit., p. 94.

A Europa é atingida, no final do século XVI, por uma profunda crise intelectual e moral, afetando o pensamento, científico, a teologia, a literatura e as artes. No domínio científico, duas racionalidades estão em confronto: a) a Aristotélica, pretendendo ser uma racionalidade das essências, não consegue sobreviver à crise barroca, acreditando na inacessibilidade de uma essência das coisas; b) a nova racionalidade, de tipo geométrico, para sobreviver, sofre algumas transformações: não é mais certo que a linguagem matemática exprime verdadeiramente a essência das coisas; mas permite ao sábio organizar as aparências, vale dizer, os fenômenos. O termo “fenômeno” sofre uma evolução semântica: lentamente, perde seu sentido negativo de “aquilo que não é a essência das coisas” e adquire o sentido positivo de “aquilo sobre o qual se funda a ciência”. E com dificuldades que a nova ciência consegue seu equilíbrio, um século depois, com Newton. Enquanto isso, prolifera o mundo sensível das aparências, escapando à racionalidade geométrica: os monstros invadem a literatura médica, o mundo se povoa de qualidades ocultas, de simpatias magnéticas e de ações à distância. Descartes tenta salvar o conhecimento racional da natureza das coisas graças à geometria e à bondade de Deus. No entanto, o futuro pertence àqueles que, como Pascal e Gassendi, contentam-se em racionalizar apenas as aparências e em colocar entre parênteses o insondável mistério das coisas. Por isso, a ciência moderna só será realmente fundada no dia em que Newton formular a lei matemática da gravitação universal, mesmo ignorando em que consiste a força de gravitação.