Hegel (Lógica) – o conhecido como desconhecido

HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Ciência da lógica : 1. A doutrina do ser. Tr. Christian G. Iber, Marloren L. Miranda e Federico Orsini. Petrópolis: Vozes, 2016 (ebook). Prefácio à segunda edição.

As formas do pensamento estão, primeiramente, expostas e depositadas na linguagem do ser humano; em nossos dias pode muitas vezes não ser suficientemente lembrado que aquilo pelo qual o ser humano se distingue do animal é o pensar. A linguagem se inseriu em tudo aquilo que se torna para ele [o ser humano] em geral um interior, uma representação, em tudo aquilo de que ele se apropria, e o que ele torna linguagem e exprime nela contém de modo mais encoberto, mais misturado ou mais elaborado uma categoria; tão natural lhe é o lógico, ou, precisamente: o mesmo é sua própria natureza peculiar. Mas se se contrapõe a natureza em geral, como o físico, ao espiritual, seria preciso dizer que o lógico é, pelo contrário, o sobrenatural, que se insere em todo o comportamento natural do ser humano, no seu sentir, intuir, desejar, na sua necessidade, no seu impulso e, por meio disso, em geral, torna-o algo humano, ainda que apenas de modo formal, tornando-o representações e finalidades. É a vantagem de uma língua que ela possua uma riqueza de expressões lógicas, a saber, peculiares e separadas, para as próprias determinações do pensar; muitas das preposições e dos artigos já pertencem a tais relações que se baseiam no pensar; na sua formação, a língua chinesa não deve ter conseguido chegar aí de modo nenhum ou apenas insuficientemente; mas essas partículas aparecem de maneira inteiramente auxiliar, apenas um pouco mais desconexas do que os aumentos, sinais de flexão e coisa semelhante. Muito mais importante é que, numa língua, as determinações do pensar estejam destacadas em substantivos e verbos e, assim, tenham o selo das formas objetivas; nisso, a língua alemã tem muitas vantagens diante das outras línguas modernas, até mesmo algumas das suas palavras têm a propriedade adicional de não ter somente significados diversos, mas opostos, de modo que, nesse mesmo aspecto, não se pode deixar de perceber um espírito especulativo da língua; para o pensar, pode ser um prazer se deparar com tais palavras e encontrar, de forma ingênua, já lexicalmente, em uma palavra de significados opostos, a unificação de opostos que é resultado da especulação, embora seja paradoxal para o entendimento. Portanto, a filosofia não precisa, em geral, de nenhuma terminologia particular; certamente, precisa-se admitir algumas palavras de línguas estrangeiras, as quais, no entanto, já receberam o direito de cidadania nela através do uso – um purismo afetado estaria, no mínimo, fora do lugar aí, onde o que é o mais decisivo depende da Coisa. – O avanço da formação em geral e, em particular, das ciências, até mesmo das ciências empíricas e sensíveis, na medida em que elas universalmente se movem nas categorias mais usuais (p. ex., aquelas do todo e das partes, de uma coisa e suas propriedades e semelhantes), ilumina de pouco em pouco também as relações de pensamento mais altas ou pelo menos as eleva a uma maior universalidade e, assim, a uma atenção mais detalhada. Se, por exemplo, na física, a determinação do pensar da força se tornou predominante, recentemente, a categoria da polaridade, que, aliás, é inserida em tudo demasiadamente à tort et à travers [de maneira irrefletida], mesmo na luz, desempenha o papel mais importante, – a determinação de uma diferença, na qual os diferenciados estão unidos inseparavelmente; é de importância infinita que, dessa maneira, parta-se da forma da abstração, da identidade, pela qual uma determinidade, por exemplo, como força, adquire uma autossubsistência, e a forma do determinar, da diferença, que ao mesmo tempo permanece como um inseparável na identidade, é ressaltada e se tornou uma representação corrente. Através da realidade, na qual seus objetos se conservam, a consideração da natureza implica essa obrigatoriedade de fixar as categorias, que nela não podem mais ser ignoradas, ainda que com a maior inconsequência contra outras que também se fazem valer, e de não permitir que se passe, como ocorre no espiritual mais facilmente, da oposição para abstrações e universalidades.

Mas, na medida em que os objetos lógicos, assim como suas expressões, são algo mais ou menos conhecido por todos na cultura, assim, como eu disse em outro lugar, o que é bem conhecido não é, por causa disso, reconhecido; e pode suscitar mesmo a impaciência de dever se ocupar ainda com o conhecido, – e o que é mais conhecido do que justamente as determinações do pensar, das quais nós fazemos uso em toda parte, que nos saem da boca em cada proposição que falamos? Esse prefácio deve estar destinado a indicar os momentos gerais sobre o andamento do conhecer a partir desse conhecido, sobre a relação do pensar científico com esse pensar natural; isso, tomado em conjunto com o que a introdução anterior contém, será suficiente para dar uma representação geral do sentido do conhecer lógico como uma tal [representação] se exige antecipadamente de uma ciência, antes daquela que é a própria Coisa.