Lévi-Strauss – Ciência do bricoleur e ciência do engenheiro

C. Lévi-Strauss, O pensamento selvagem1

Entre nós, subsiste uma forma de atividade que, no plano técnico, permite bastante bem conceber o que, no plano da especulação, pode ser uma ciência que preferimos chamar de “primeira” em vez de primitiva: é aquela comumente designada pelo termo bricolage. […] Em nossos dias, o bricoleur é aquele que trabalha com as mãos, usando recursos indiretos se comparados com aqueles do homem da arte. Ora, é próprio do pensamento mítico expressar-se com o auxílio de um repertório cuja composição é heteróclita e que, embora extenso, continua ainda assim limitado; entretanto, é preciso que ele se sirva dele, qualquer que seja a tarefa que se atribua, pois não tem mais nada à mão. Ele aparece assim como uma espécie de bricolage intelectual, o que explica as relações que se observa entre os dois.

Como o bricolage no plano técnico, a reflexão mítica pode atingir, no plano intelectual, resultados brilhantes e imprevistos. […]

Vale aprofundar a comparação, pois ela facilita o acesso às relações reais entre os dois tipos de conhecimento científico que distinguimos. O bricoleur está apto a executar um grande número de tarefas diversificadas; porém, diferentemente do engenheiro, ele não subordina nenhuma delas à obtenção de matérias-primas e ferramentas, concebidas e proporcionadas na medida de seu projeto: seu universo instrumental é fechado, e a regra do seu jogo é sempre arranjar-se com os “recursos de bordo” Isto é, com um conjunto a cada instante acabado de ferramentas e materiais, heteróclitos quanto ao mais, porque a composição do conjunto não está em relação com o projeto do momento, nem, aliás, com nenhum projeto particular, mas é o resultado contingente de todas as oportunidades que se apresentaram de renovar ou enriquecer o estoque, ou mantê-lo com restos de construções e de destruições anteriores. O conjunto de recursos do bricoleur não é, portanto, definível por um projeto […]; ele só se define por sua instrumentalidade; em outras palavras, e para usar a própria linguagem do bricoleur, porque os elementos são recolhidos ou conservados em virtude do princípio de que “isto sempre pode servir”. Tais elementos são, então, semi-particularizados: o bastante para que o bricoleur não precise do equipamento e do saber de todas as corporações; mas não o suficiente para que cada elemento fique restrito a um uso preciso e determinado. Cada elemento representa um conjunto de relações ao mesmo tempo concretas e virtuais; são operadores, mas utilizáveis com vista a qualquer operação dentro de um tipo.

É desse modo que os elementos da reflexão mítica sempre se situam a meio-caminho entre perceptos e conceitos. […]

Ora, existe um intermediário entre a imagem e o conceito: é o signo, pois sempre se pode defini-lo, da maneira inaugurada por Saussure a propósito desta categoria particular que formam os signos linguísticos, como um vínculo entre uma imagem e um conceito, que, na união assim realizada, representam respectivamente os papéis de significante e significado.

Como a imagem, o signo é um ser concreto, mas assemelha-se ao conceito por seu poder referencial: ambos não se relacionam exclusivamente entre si, podem substituir outra coisa que não eles. Todavia, o conceito possui, a este respeito, uma capacidade ilimitada, enquanto a do signo é limitada.


  1. Plon, 1962, pp. 26 -28.