Markus Gabriel (Pensar) – Computadores são mesmo capazes de algo? (I)

Mas por que, afinal, é assim? Qual é a razão para que não possamos construir nenhuma ordem racional absolutamente estável, que resolva todo problema digitalmente por meio da [sua] decomposição em pequenos passos que nós, então, por meio do progresso tecnológico, também podemos realizar em um hardware?

Por um lado, há uma razão física simples para tanto. O universo não contém, por princípio, suficiente matéria ou energia para poder executar todo cálculo logicamente possível. Não é possível que tudo que existe no universo seja simulado por meio de um cálculo em um computador. Isso porque teria de haver então sempre ainda mais um computador, ou, melhor, um programa, que simulasse o cálculo de todos os cálculos. Teríamos, então, não apenas uma tela diante de nós, na qual todos os programas possíveis rodariam e que representariam todos os processos possíveis no universo. (Isso sim seria algo! Poderíamos surfar em uma internet possivelmente até mesmo infinitamente grande e nos colocarmos imediatamente e virtualmente em cada situação do universo e assisti-la.) O problema é que a nossa tela teria ainda que aparecer em nossa tela na qual todos os programas rodam. Mas, antes que pudéssemos ver a nossa tela em nossa tela, teríamos, todavia, de ainda ver a nossa tela na nossa tela na nossa tela.

Assim, precisaríamos, primeiramente, de uma tela infinitamente grande, assim como de uma memória infinitamente grande para poder realmente simular tudo que acontece no universo. Mas isso também não basta, já que essa tela infinita teria novamente de aparecer em si própria. Antes, precisaríamos de uma tela transfinita, na qual várias infinidades rodariam simultaneamente. Mas agora já sabemos que essa história também não chega ao fim, o que é, certamente, uma consequência da teoria dos conjuntos transfinita que Cantor desenvolveu. Mais exatamente, sabemos que perguntas como aquela sobre como seria uma simulação do universo como um todo em um computador não podem, por princípio, serem respondidas. Isso ultrapassa fundamentalmente a nossa capacidade de apreensão, assim como a capacidade de apreensão de qualquer computador[106].

Mas a situação é tanto mais fácil quanto mais difícil do que esse problema. Retornemos, então, ao solo do comum. Esse solo do comum significa, desde um escrito influente do filósofo, lógico e matemático Edmund Husserl, o mundo da vida. Em sua obra tardia A crise das ciências europeias e a fenomenologia transcendental, de 1936, Husserl desvela um ponto cego da compreensão científica moderna, que até hoje não foi superado. Seu nome para ele é mundo da vida, que é a nossa compreensão cotidiana das coisas que nos circundam, das pessoas e das relações culturais em que nos movimentamos assim que desfrutamos de uma criação mínima que nos permita não morrer imediatamente no trânsito, sustentarmos a nós mesmos em algum momento e, eventualmente, ainda algumas outras coisas.

Ao mundo da vida também pertence a nossa linguagem natural; ou seja, por exemplo: alemão ou bávaro, saxão, suábio, árabe, finlandês ou qualquer língua que uma pessoa fale como língua materna na Alemanha. Além disso, não é de modo algum simples, como se pensa, definir o alemão como língua oficial. Lutero também falava alemão. Se você hoje, todavia, preenchesse os seus documentos no registro de habitantes no alemão de Lutero ou seus filhos falassem apenas baixo-alemão, você rapidamente perceberia que a língua oficial “alemão” não é tão fácil de delimitar. Que palavras estrangeiras e fórmulas matemáticas pertencem ao alemão? Seria “User” uma palavra alemã? E quanto a “Enzephalogramm” [encefalograma] ou “progressive Zerebration” [cerebração progressiva]?

Linguagens naturais não são sistemas formais. O significado da maior parte das expressões, presumivelmente mesmo o significado de todas as expressões, não é definido precisamente. Isso é o que se chama na linguagem filosófica de imprecisão (ou vagueza) e devemos às Investigações filosóficas de Ludwig Wittgenstein a compreensão de que as linguagens naturais são inteiramente imprecisas e também só funcionam por causa disso. A obra mencionada foi publicada primeiramente após a morte de Wittgenstein e levou, em relação ao desenvolvimento da informática, uma vida própria, já que Wittgenstein não estava de modo algum de acordo com Turing, que ele conhecia pessoalmente de Cambridge.

O mundo da vida é cheio de vagueza e, caso contrário, também não funcionaria. Em uma situação completamente banal, Petra diz, por exemplo, para Walid, que Fleiko logo chegará. Mas quando exatamente é “logo”? Em cinco minutos, ou em dois? Em sete minutos e trinta segundos ou em duas horas? Não é mais exato quando um guia turístico em Dallas diz: “Aqui, Kennedy foi baleado”. Ninguém pode traçar um círculo exato no local em que Kennedy foi baleado. Esse lugar exato não existe realmente; antes, há apenas uma indicação necessariamente vaga, como, por exemplo, “aqui”, que é feita por meio de uma indicação com o dedo do guia, que aponta para uma região aproximada.

Não podemos, além disso, escapar do problema ao tentarmos compulsoriamente tornar todos nossos conceitos precisos ao definir as nossas palavras exatamente. Isso pode ser facilmente mostrado. Suponhamos que peçamos em um restaurante um Wiener Schnitzel (não do tipo vienense). O garçom nos traz, surpreendentemente, um exemplar congelado. Fazemos com que ele o devolva, decepcionados ou mesmo irritados, pois não queríamos um Schnitzel congelado. “Você deveria simplesmente ter dito isso”, ele replica e se retira. Ao voltar com um novo Wiener Schnitzel, este está inteiramente queimado e escaldante. Nós o recusamos. Para garantirmos, pedimos agora um Wiener Schnitzel nem congelado, nem queimado, mas sim com a temperatura usual que poderíamos até mesmo indicar em algo. Em resposta a isso, o garçom volta com um exemplar que é tão pequeno quanto meu polegar direito. Naturalmente, também não queremos isso. Não queremos nem um Wiener Schnitzel congelado, nem queimado, nem pequeno demais. Mas como devemos, por favor, definir “Wiener Schnitzel”, de modo que o garçom nos traga obrigatoriamente o certo?

Ninguém está em condições de definir inteiramente “Wiener Schnitzel” por meio da indicação de todas as suas características. Aqui o Wikipedia não ajuda muito (como é frequentemente o caso), onde “Wiener Schnitzel” é definido como “um Schnitzel de vitela fino, empanado e frito”[107]. Isso porque esses critérios também são satisfeitos por um exemplar congelado, queimado ou encolhido a um tamanho nano, assim como infinitas outras variações que não reconheceríamos como um Wiener Schnitzel.