Schumacher – Adaequatio I

O que capacita um homem a conhecer qualquer coisa que seja sobre o mundo ao seu redor? «Conhecer demanda o órgão ajustado ao objeto», disse Plotino ( aC 270). Nada pode ser conhecido sem que haja um «instrumento» na conformação do conhecedor. Esta é a Grande Verdade da adaequatio (adequação), a qual define o conhecimento como adaequatio rei et intellectus: a compreensão do conhecedor deve ser adequada à coisa a ser conhecida.

De Plotino, de novo, vem o famoso dito: «Nunca o olho vê o sol a não ser que primeiro se torne como o sol, e nunca pode a alma ter a visão da Primeira Beleza a não ser que ela mesma seja bela». John Smith o Platonista (1618-1652) disse: «Aquilo que no capacita a conhecer e compreender corretamente nas coisas de Deus, deve ser um princípio vivo de santidade dentro de nós»; ao qual podemos adicionar a afirmação de1 (125-1274) que «conhecimento vem na medida que o objeto conhecido está dentro do conhecedor».

Já vimos que o homem, em certo sentido, compreende os quatro grandes Níveis de Ser; há portanto algum grau de correspondência ou «conaturalidade» entre a estrutura do homem e a estrutura do mundo. Esta é uma ideia muito antiga e tem sido usualmente expressa por chamar o homem um «microcosmo» que de algum modo «corresponde» ao «macrocosmo» que é o mundo. Ele é um sistema físico-químico, como o resto do mundo e, também possui os invisíveis e misteriosos poderes de vida, consciência e auto-consciência, alguns dos quais também pode detectar em muitos seres ao seu redor.

Nossos cinco sentidos corporais nos fazem «adequados» ao mais baixo Nível de Ser — matéria inanimada. Mas podem suprir nada mais do que massas de dados sensoriais, para «fazer sentido» dos quais requeremos habilidades ou capacidade de uma ordem diferente. Podemos chamá-los «sentidos intelectuais». Sem eles, estaríamos incapazes de reconhecer forma, padrão, regularidade, harmonia, ritmo, e significado, sem mencionar vida, consciência e auto-consciência. Enquanto os sentidos do corpo podem ser descritos como relativamente passivos, meros recebedores do que acontece ao redor e até certo ponto controlados pela mente, os sentidos intelectuais são a mente-em-ação, e sua agudez e alcance são qualidade da mente ela mesma. Com relação aos sentidos corporais, todas as pessoas saudáveis possuem uma dotação similar; mas ninguém poderia possivelmente omitir o fato que há diferenças significantes no poder e alcance das mentes das pessoas. Com relação aos sentidos intelectuais, é portanto bastante irrealista tentar definir e delimitar as capacidade do «homem» como tal — como se todos os seres humanos fossem muito semelhantes, como animais da mesma espécie. As habilidades musicais de Beethoven, mesmo na surdez, eram incomparavelmente maiores que as minhas, e a diferença não estava no sentido da audição; estava na mente. Algumas pessoas são incapazes de apreender e apreciar uma dada peça de música, não porque são surdas, mas por causa de uma falta de adaequatio na mente. O sentido da audição recebe nada mais do que uma sucessão de notas; a música é apreendida pelos poderes intelectuais. Algumas pessoas possuem estes poderes a tal grau que podem apreender, e também reter em sua memória, um sinfonia inteira no esforço de uma audição ou de uma leitura da pauta; enquanto outras são tão fracamente dotadas que não podem absorvê-la de todo, não importa quão frequente e quão atentamente a escutem. Para os primeiros a sinfonia é tão real quanto era para o compositor; para os últimos, não há nenhuma sinfonia: nada há senão uma sucessão de mais ou menos agradáveis, mas ao mesmo tempo sem sentido, ruídos. A mente dos primeiros é adequada à sinfonia; a mente dos últimos é inadequada, e assim incapaz de reconhecer a existência da sinfonia. O mesmo se aplica através de todo um campo de experiência humanas possíveis e atuais. Para cada um de nós, só «existem» aqueles fatos e fenômenos para os quais possuímos adaequatio, e como não somos permitidos assumir que somos necessariamente adequados para tudo, todo tempo, e em qualquer condição que possamos nos encontrar, assim não somos permitidos insistir em que algo inacessível para nós não tenha existência em absoluto e que nada é senão um fantasma da imaginação de outras pessoas.

Há fatos físicos que os sentidos corporais captam; mas há também fatos não-físicos que permanecem não notados a não ser que o trabalho dos sentidos seja controlado e completado por certas faculdades «superiores» da mente. Alguns destes fatos não-físicos representam «graus de significância», para usar um termo cunhado por Mr. G.N.M. Tyrrel, que dá a seguinte ilustração:

Tomemos um livro, por exemplo. Para um animal um livro é meramente um forma colorida. Qualquer significância superior que um livro possa ter encontra-se acima de seu pensamento. E o livro é uma forma colorida; o animal não está errado. Indo um degrau acima, um selvagem iletrado pode olhar um livro como uma série de marcas em papel. Isto é o livro como visto em um mais alto nível de significância do que do animal, e algo que corresponde ao nível de pensamento do selvagem. De novo não está errado, só que o livro pode significar mais. Pode significar uma série de letras arranjadas de acordo com certas regras. Isto é o livro em um mais alto nível de significância do que o do selvagem… Ora finalmente, em uma nível mais alto, o livro pode ser uma expressão de sentido…

Em todos estes casos os «dados dos sentidos» são os mesmos; os fatos dados aos olhos são idênticos. Não os olhos, somente a mente, pode determinar o «grau de significância». As pessoas dizem: «Deixem os fatos falar por si mesmos»; esquecem que a fala dos fatos é real somente se é ouvida e compreendida. É pensado ser uma questão fácil distinguir entre fato e teoria, entre percepção e interpretação. Na verdade, é extremamente difícil.


  1. Tomás de Aquino