O titulo logos e techne é bastante pretensioso.

Na argumentação do presente colóquio, os organizadores salientam a incidência das ditas novas tecnologias sobre as sínteses constitutivas do espaço e do tempo. Numa nota preparatória ao mesmo colóquio, Bernard Stiegler salientou três pontos:

1 — a técnica não é, e provavelmente nunca o foi, um meio para alcançar um objectivo que seria a ciência;

2 — pelo contrário, a «tecno-ciência» (de Habermas) é a realização actual de um technologos em relação à obra de modo constitutivo no logos ocidental (mesmo se as technai gregas foram sobretudo, em primeiro lugar, matérias de linguagem logotécnicas);

3 — e, por fim, as novas tecnologias invadem agora o espaço público e o tempo comum (invadindo-os sob a forma de objectos industriais de produção e de consumo inclusivamente «culturais»), a nível planetário; é, deste modo, o espaço-tempo mais «íntimo», digamos assim, nas suas sínteses mais «elementares» que é «assaltado», perseguido e, sem dúvida, modificado pelo estado actual da tecnologia.

Partirei da hipótese-mãe dos trabalhos de Stiegler, segundo a qual qualquer técnica é uma «objectivação» ou seja, uma espacialização do significado, cujo modelo é dado pela própria escrita no sentido corrente da palavra. E, que a inscrição, o traçado, por um lado porque é «legível» (descodificável, se se quiser), abre um espaço público de significado e gera uma comunidade de utilizadores produtores e, por outro lado (?) porque é dotada de persistência pela sua marca sobre um suporte espacial, ela conserva o sinal do acontecimento passado, ou de preferência, do produto enquanto memória disponível, apresentável e reactualizável.

A partir daqui, a minha intenção é dissociar, com algum formalismo, vários aspectos deste efeito-memória assim engendrado pela técnica enquanto inscrição, referindo-o mais particularmente ao estado actual da tecnologos. Fá-lo-ei numa terminologia que poderíamos qualificar de materialista e portanto, metafísica. Digo-me que é por comodidade, para não tornar a exposição demasiado severa. Será talvez também porque a dificuldade do tema me impede de fazer melhor.

Distingo portanto, sem pretender ser exaustivo, três gêneros de efeitos-memória da inscrição tecnológica em geral: de acesso, de varredura e de passagem, os quais coincidem, grosso modo e respectivamente, com os seguintes gêneros de síntese do tempo ligado à inscrição: o hábito, a rememoriação e a anamnese.

Comunicação no Colóquio «Nouvelles technologies et mutation des savoirs», organizado em Outubro de 1986 pelo Collège internacional de Philosophie e o IRCAM, por iniciativa de Bernard Stiegler.

Jean-François Lyotard