Pode-se também pensar a partir do barulho, do ruído dos conceitos e das palavras. É preciso, porém, não esquecer que os conceitos e as palavras de per si não revelam o ser. São simples sinais que falam do ser, como a rosa é sinal que sugere a beleza, o aperto de mão sinal que sugere a amizade, o beijo sinal que sugere o amor. Ter a rosa não significa imediatamente estar na beleza que ela evoca. Estar na expressão da amizade e do amor não significa imediatamente que de fato se está na amizade e no amor.
Os conceitos e as palavras tiveram sua origem numa silenciosa experiência do ser. Por conseguinte, a filosofia objetiva de um filósofo, por exemplo a filosofia de Platão, de Santo Agostinho, de Kant, de Leibniz, de Merleau-Ponty ou de Heidegger, expressa em conceitos e palavras, só é reveladora do ser na medida em que soubermos perceber a mesma experiência originária da realidade por eles surpreendida e falada.
A filosofia elaborada oferece assim instrumentos úteis de acesso ao ser. Cada conceito, cada palavra, sabemo-lo de antemão, reenviam ao ser. É preciso tomá-los como caminho ao ser, como escada que conduz aos umbrais do palácio do ser. À medida que se entra, abandona-se a escada. O conceito em si mesmo, a palavra ela mesma, apenas apontam o ser. No palácio do ser não se fala. Vive-se no silêncio. A plenitude é o silêncio. Silêncio de escuta. Precisamente para deixar que o ser apareça em sua elementar pureza, em sua nascividade primeira. Silêncio da expressão do ser não significa silêncio da experiência do ser. Antes o contrário. A experiência do ser nos invade na medida do nosso silêncio. Depois, num segundo momento, rompemos o silêncio e falamos daquela experiência.
A fala pode até ser tosca, imprecisa, alógica. Ela cumpriu sua missão desde que encaminhe alguém à experiência que ela sugere. [wiki base=”FR”]Saint-Exupéry[/wiki] escreve:
«A velha camponesa só atinge o seu deus através de uma imagem pintada, de uma ingênua medalhinha, de um rosário: é preciso que nos falem numa linguagem bem simples para que possamos entender» ([wiki base=”FR”]Saint-Exupéry[/wiki], Terra dos Homens, Rio 1970, p. 16).
Desde que tivermos feito a experiência originária do ser, toda palavra por simples que seja, conquanto acessível a quem a ouve, é apta a provocar uma sempre mais clara e diáfana revelação do ser.
A palavra em si não é desvelamento do ser, como a tosca medalha não é para a velha camponesa revelação de Deus. O acesso a Deus, a velha o faz por uma experiência diáfana, inefável, inexprimível. Da mesma forma, o filósofo tem acesso ao ser numa experiência que é anterior a qualquer representação conceitual e de linguagem, embora não dispense a representação do conceito e da palavra.