Ente

(do part. presente do verbo esse, ser, ens, entis, sendo).

O conceito de ente (sistência prefixável) é fruto de uma total abstração. É um conceito universal e, para os escolásticos, o mais universal dos conceitos. Tomás de Aquino define: “Ente é o que tem essência real”. Sua essência é o ser (a sistência aqui). Se afirmamos que ente (opinião dos escolásticos) é o que é apto a existir realmente, nesse caso é o que tem res (em latim, coisa). Seria, então, o que tem existência efetiva (perseitas). Ele pode ser atual ou possível. E tal se dá quando a sua aptidão a existir é presente, dá-se no exercício da existência (atual) ou vem a suceder (possível). É intrinsecamente possível o ente que, por coerência consigo mesmo, não tem nenhuma existência atual. Possível é o que pode existir. Impossível o que não pode existir. Ente puramente possível é aquele que pode existir, sem existir em ato. A possibilidade (intrínseca) formal da coisa não existente carece de toda atualidade física. Para os escolásticos é existente o que de fato é dado nas coisas da natureza; é a existência uma forma lógica intrínseca, cuja afirmação se pode fazer porque, de fato, se dá nas coisas da natureza. Em suma, é existente, para os escolásticos, o fático ou o que se funda no fático.

Se ente é o que tem aptidão à existência, ente existente é o que tem aptidão em ato, isto é, aquele cuja aptidão transita no exercício da existência. Segundo [wiki base=”PT”]Duns Scot]], pode-se primariamente fazer uma distinção do ente fora da alma (ens extra anima) e do ente na alma (ens in anima). Ou seja, o subsistente em nós, noético portanto, e o subsistente fora de nós, o ente extra mentis. Este pode ser subdividido em ens in actum et in potentiam (um ente em ato e ente em potência). O ens extra anima (ente fora da alma) é o ens reale, enquanto o ens in animam é o ens rationis, o ente de razão. O ente de razão tem seu ser no intelecto, portanto sua subsistência é em outro e de outro; tem inaliedade e abaliedade (de in, em, e alius, outro e de ab, de), enquanto o ens reale tem sua entidade fora da consideração do intelectuo. Ens rationis est sola relatio rationis, o ente de razão é somente uma relação da razão.

O ente pode ser ainda subdividido em ente infinitum e finitum, divididos em categorias (vide), segundo a classificação aristotélica. O ens infinitum é o ente incriado, ou o em si mesmo, ente por essência; e o finito, o criado, o ente per participationem, o ens ab alio. [MFS]


[[:Heidegger]] insistiu em que deve distinguir-se entre o ente e o ser, entre o verbo e o particípio do verbo. Do ponto de vista linguístico, há que ter em conta que os significados de ente e ser dependem, em grande parte, do modo como estes termos se introduzem, por exemplo, não é a mesma coisa dizer o ente que dizer “um ente”; não é a mesma coisa usar ser como cópula num juízo que dizer “o ser”. Devido a estas e outras dificuldades, argumentou-se por vezes que a distinção entre ente e ser, pelo menos dentro da chamada “ontologia clássica”, é pouco menos que artificial, ou em todo o caso, insignificante. Alguns autores, contudo, insistem em que perguntar pelo ente e perguntar pelo ser não é a mesma coisa; o ente é “aquilo que é”, enquanto o ser é o fato de que qualquer ente dado seja. Especialmente desde o século treze, discutiu-se o que é o ente como “aquilo que é” ou “o ser que é”. À pergunta — o que é o ser? — respondeu-se que “o ente é aquilo que o intelecto concebe em primeiro lugar” (S. Tomás, SOBRE A VERDADE). Nada se pode dizer do que é a não ser que o dizer se encontre já situado dentro da primeira e prévia apreensão do ente. O ente é aquilo que é. S. Tomás fala também do ser, mas para o definir em termos de ente, “o ser diz-se do ato do ente enquanto é ente”e estuda o ser como ser com a sua essência, como “aquilo que é” (enquanto é). O ente é o mais comum enquanto sujeito de apreensão. Ao mesmo tempo, é algo que transcende tudo o que é. Não pode definir-se por nenhum modo especial de ser — por nenhum ser “tal ou qual” — e por isso é um transcendental. Disse-se que, além de ser um transcendental, o ente é um supertranscendental; como transcendental, é o que é enquanto relativo ao real e, como supertranscendental, é o que é enquanto relativo não só ao ente real mas também ao ente de razão. Os escolásticos trataram em pormenor os problemas levantados por esta exposição. Por um lado, e se a noção de ente é comuníssima, o ente é tudo o que é como tal. Por outro lado, se ente é o real na sua realidade, o ente pode ser aquilo que sustém ontologicamente todos os entes. Finalmente, se o ente é tudo o que é ou pode ser, dever-se-á precisar de que modos distintos se diz de algo que é ente. Por exemplo, pode dividir-se o ente em ente real e de razão, em ente potencial e ente atual, e este último em essência e existência. Pode também estudar-se de que modo se pode falar do ente, análoga, unívoca, equivocamente. A doutrina escolástica do ente culmina possivelmente em [[wes:Francisco Suárez]]. Nas suas Disputationes metaphysicae, Suárez estuda o ente não só como “aquilo que é”, mas também como a condição, ou condições, que tornam possível (e inteligível) qualquer ser. Disse-se, por isso, que a doutrina do ente desembocou num puro formalismo, enquanto o ente se definia como tudo aquilo a que não repugna a existência. Se isto acontece, o ente é então a mera possibilidade lógica. Como se disse no começo do artigo, [[:Heidegger]] manifestou com particular ênfase que a questão do ser e a do ente não são iguais. A determinação do ente não é aplicável ao ser (SER E TEMPO). O ser é anterior aos entes. O que seja esse ser e como pode conseguir-se um acesso a ele é a grande questão de [[:Heidegger]] se propôs deslindar. Só uma análise do homem enquanto é o ente que pergunta pelo ser pode abrir o caminho par a uma compreensão do sentido do ser. A clássica pergunta pelo ente ocultou a pergunta mais originária pelo ser.