Antes que uma disciplina nasça, não é sem dúvida possível dizer a forma que ela tomará mais tarde. Nisto pode-se comparar a ciência — tecnologia intelectual — com as tecnologias materiais: o que sucederá à tecnologia automotiva não é pré-determinado, mas é o fruto de um desenvolvimento histórico contingente (isto é, não absolutamente necessário).

Assim, a informática não aguardava em uma espécie de mundo das ideias para ser “descoberta” pelos cientistas do século XX. É provavelmente mais adequado dizer que uma série de pessoas forjaram para si mesmas, em meados do século XX, representações de fenômenos de comunicações e de informações que se tornaram tecnologias extremamente eficazes. Essas pessoas formaram uma comunidade de especialistas que se autodenominou de “informática”. Os fenômenos informáticos são então finalmente definidos como aquilo de que se ocupam os especialistas em informática.

Desse modo representada, a evolução das disciplinas científicas não corresponde a uma lógica da história pré-determinada e previsível. Deve-se mais a uma verdadeira história na qual o novo é possível, assim como bifurcações imprevisíveis, o todo condicionado por um conjunto de condições sociais, econômicas, culturais etc, mas não inteiramente determinado por elas. Esse modelo da evolução da ciência está ligado a um paradigma, o das estruturas dissipativas. Teríamos fenômenos, alimentando-se de energias exteriores, cujas estruturas macroscópicas não são previsíveis pois, como outros fenômenos históricos, podem ser causadas por modificações microscópicas das condições iniciais. A ciência teria uma verdadeira história, ao passo que os resultados científicos seriam uma construção e não o desenvolvimento das verdades científicas que, desde sempre, teriam esperado ser “descobertas” (sobre essa visão histórica da ciência, ver Prigogine &. Stengers, 1979).

Em sua obra D’une science à l’autre, des concepts nômades [De uma ciência à outra, os conceitos nômades], Stengers e seus colaboradores (1987) analisam como os conceitos se “propagam” de uma disciplina à outra, fortalecendo novos pontos de vista que os cientistas considerarão mais ou menos frequentes. Mostra-se aí também como se opera o “endurecimento” de certos conceitos que se tornam referências incontestes, que eu denominei de “falsos objetos empíricos”.

FOUREZ, G. A Construção da Ciência – Introdução à Filosofia e a Ética das Ciências. São Paulo: Editora Unesp, 1970.

Gérard Fourez