Trabalho

Implícito em todas as formas de atividade humana, quer seja prática, produtiva ou poiética, para adotar a classificação e a terminologia aristotélica, a noção de método também se acha indissoluvelmente ligada à noção de trabalho. Não podendo deduzir-se de princípios estabelecidos a priori o conhecimento do real implica a sua efetiva manipulação, o “trabalho” de conhecê-lo. Esse trabalho, por sua vez, para ser produtivo e consequente, não se pode fazer de qualquer maneira, mas deve realizar-se, ao contrário, de maneira determinada, obedecendo a um método, a uma técnica. O mesmo se poderia dizer das outras formas de atividade humana que visam transformar o real ou modificar o próprio ser do homem, como a indústria, a arte, a política, a ética e a pedagogia.

Mesmo em suas formas mais toscas, rudimentares e primitivas, a obtenção e a transmissão do conhecimento envolve o emprego, consciente ou não, de um método, de uma técnica, de um know how, como dizem os ingleses. Esse método, ou essa técnica, corresponde ao que se poderia chamar de lógica do trabalho. Compelido, para sobreviver, a entrar em contato com a natureza, a manipulá-la, a fim de conhecê-la para pô-la a serviço de seus interesses e de seus projetos, o ser humano é também compelido a “metodizar” a sua atividade, o seu trabalho, submetendo-o a regras e a normas.

Assim como o pescador é pescador precisamente porque “sabe” pescar, quer dizer, conhece e emprega o método que o torna capaz de fisgar os peixes dentro d’água, assim também o agricultor só é agricultor porque conhece e aplica os métodos que, ensinando a amainar, semear e colher, lhe permitem fazer a terra produzir. O mesmo se verifica em relação ao oteiro, que converte o barro em vaso ou cântaro, e que só é oleiro porque tem ciência e utiliza os processos que lhe permitem transformar a terra em objeto útil ou decorativo.

Inseparável do trabalho, o método corresponde a uma exigência de racionalização, quer dizer, de adequação cada vez mais rigorosa entre os meios e os fins. A princípio inconsciente, enquanto lógica interior do trabalho, na medida em que tende a atender à exigência de racionalização, tende também a tornar-se cada vez mais consciente, desligando-se das atividades nas quais se encontrava inicialmente implícito. A verificação, pela prática, de sua eficiência, tende a fazer do método objeto de conhecimento específico que pode ser transmitido independentemente das formas de atividade ou de trabalho a que se aplica.

Assim considerado, o método é o próprio trabalho humano, enquanto procura tornar-se cada vez mais racional, ou então, a própria racionalidade desse trabalho que, ao manipular a realidade, natural e humana, com o duplo propósito de conhecê-la e transformá-la, descobre a racionalidade do mundo natural e a racionalidade do pensamento e da atividade humana que, pelo trabalho, alcançam esse duplo objetivo.