A informática, mais do que um instrumento auxiliar qualquer, como é comumente vista, se coloca em uma posição ambígua de mediador intelectual, ao mesmo tempo interno e externo ao processo cognitivo de seu usuário. Este papel complexo de intermediário, de mídia, evidencia-se, como veremos mais adiante, ao re-presentar para a pessoa, através do paradigma informático, tanto o problema a ser analisado, quanto, em certa medida, o horizonte de saber em que se realizará sua abordagem. Neste sentido, voltamos a destacar a importante questão da interface do bastão com a pessoa; interface através da qual, pelo agenciamento da pessoa sobre o bastão, deve se configurar a abordagem do problema.
Deste modo, é preciso reconhecer que a mediação entre pessoa e problema, ofertada hoje em dia pela informática, situa-se em um novo patamar de informatização da sociedade, muito acima daquele estabelecido pelo uso mais comum do computador, como máquina apenas para cálculos.
De fato, a atual combinação homem-máquina, na ocupação informacional-comunicacional, se dá em um grau bastante elevado de “co-responsabilidade cognitiva”, associando pessoa e tecnologia (previamente programada por pessoas também), segundo uma divisão de trabalho rigorosa. O compartilhamento de funções entre homem-máquina, imposto pela informática moderna, é de tal envergadura que alguns autores chegam a afirmar que, dado os mais de mil comandos ou funções disponíveis nas versões atuais de software, a interface homem-máquina passa a ser o fator determinante na constituição desta relação homem-máquina.
A informática, em sua analogia com a alavanca mediando pessoa e pedra, deve estabelecer as condições informacionais-comunicacionais de abordagem do problema (geralmente já traduzido em tarefas, pela informatização progressiva), através de uma estrutura de dados simbólicos, que ofereça uma re-presentação do problema, e, por sua vez, permita manipulá-lo pela funcionalidade ofertada pelas funções de interface homem-máquina.
Esta díade funcionalidade-estruturas de dados, ou numa escala ainda menor, algoritmo-dados, deve possibilitar a articulação adequada (co-mensurada), ao nível intelectual, ou melhor, cognitivo, entre pessoa-problema, na posição paradoxal de um instrumento da inteligência, ou tecnologia da inteligência, como prefere Pierre Lévy. Uma tecnologia que opera, como algo externo à mente, mas, ao mesmo tempo, com ela, em simbiose, como se fosse sua extensão, sua prótese mental. A imagem da bola de cristal de Escher parece captar este paradoxo da tecnologia da inteligência, primeiro ao se oferecer para a “reflexão” de uma pessoa, se colocando ao mesmo tempo como algo separado dela, pessoa. Por outro lado, a bola se apresenta como uma continuidade da pessoa, dado sua “reflexão”, que já tem inicio na própria mão que empunha a bola.
A estrutura de dados simbólicos e a funcionalidade lógica que aspiram representar um problema, sob o molde informacional-comunicacional, virtualizam as propriedades do problema e de seus objetos, segundo o que se denomina uma “transformação metafórica”1. Transformação esta que pretende ser capaz de traduzir, passo a passo, o problema, representado primeiramente segundo estruturas conceituais, orientadas segundo modelos de lógica formal. Desta re-presentação conceitual de um problema, cria-se uma representação digital, desenhada segundo um modelo funcional e de dados simbólicos, que se transformam, por sua vez, em um conjunto de funções e uma base de dados, a se tornarem disponíveis atendendo os requisitos de manipulação lógica e de estruturas de dados, dos objetos do modelo funcional e de dados simbólicos. Completa-se assim o ciclo da transformação metafórica do problema em algo disposto como instrumento informacional-comunicacional.
A partir daí, por meio da interface desse instrumento, instala-se uma capacidade de interação complexa com a informática que o sustenta, comportando um conjunto de operações, ou seja, um conjunto de funções sobre sua base de dados. Estas interfaces, intrínsecas à articulação pessoa-tecnologia-problema, passam a ser de suma importância, quanto mais por se relacionarem aos níveis intelectual, emocional e físico do ser humano. Como propõem alguns autores, o projeto da interface deve se guiar pelos princípios da nova ergonomia cognitiva, e devem ser objeto de uma avaliação segundo critérios de “usabilidade” da tecnologia.
Referências:
Tese de Doutorado em Filosofia (UFRJ, 2005)
George Lakoff, um autor muito citado nas pesquisas cognitivas, revelou a importância da metáfora para o pensamento, tomando por base alguns princípios a respeito de nosso sistema conceitual, a partir da constatação que o pensamento é: “incorporado”, assentado na experiência do corpo; e, “imaginativo”, assentado em metáforas, metonímias e imagens. [Lakoff & Johnson, 1985; Lakoff, 1987] ↩