Excertos de Bennett, THE DRAMATIC UNIVERSE
O mundo das funções é também o que vemos em ação à nossa volta: o mundo como processo. Assim como cada parte nossa tem uma função, do mesmo modo cada parte do mundo cognoscível tem uma função, quer seja ele um corpo vivo ou uma ferramenta de que nos servimos ou algum tipo de máquina que construímos, quer seja o ar que respiramos ou um corpo celeste. Se temos conhecimento de uma coisa, a conhecemos pelo que ela faz, e até mesmo uma coisa importante tal como a vida na Terra pode ser encarada dessa maneira. Já sabemos alguma coisa sobre como a vida transforma energias e cria entes como nós. Podemos mesmo começar a falar em relação à finalidade das estrelas. Tudo é um instrumento de algum tipo ou outro e serve para algum fim. Concentrando o nosso interesse no aspecto funcional das coisas é que podemos obter tanto poder sobre o funcionamento desse mundo. Podemos predizer o que as coisas farão e, combinando-as, gerar os resultados que queremos.
Se considerarmos as coisas como instrumentos, seremos então facilmente tentados a fazer a pergunta ‘Para que serve isto? ‘ em termos humanos e tratar de ver como podem se tomar instrumentos para fins humanos. A ciência poderia dar um passo importante, se deixasse de fazer todas essas perguntas em função do homem. Quando deixarmos de perguntar ‘Para que serve a vida na Terra?’ em relação à sua utilidade para o homem, ocorrerá um grande choque. Teremos então que considerar a Terra em termos das finalidades cósmicas a que serve e muitos caminhos novos de compreensão se abrirão para nós. Perguntaremos: ‘Que espécie de instrumento é o sistema solar?’ e ‘Que papel desempenha, no funcionamento do sistema solar, a vida na Terra?’ e seremos forçados a reavaliar o nosso lugar nela e perguntar ‘Que espécie de instrumento é o homem?’ e ‘Para que propósitos pode o homem ser usado?’. Começaremos então a aprender novamente muitas das lições antigas que esquecemos.
Por mais que conheçamos dessa maneira funcional, jamais poderemos dar resposta à pergunta ‘Que é isto?’ Poderemos dar nome às coisas e dizer ‘Isto é uma casa, Isto é um homem’, mas dar nome a algo não nos diz o que ele é. Um nome é um sinal de ignorância ou indica alguma coisa que não pode ser conhecida. Em algumas culturas, os nomes foram considerados coisas especiais e até sagradas, e, quando se davam nomes às pessoas, eles eram mantidos em segredo, porque se acreditava que um nome revelava quem a pessoa realmente era e a expunha, e considerava-se tal coisa perigosa. Isso era, no mínimo, um reconhecimento de que havia um mistério em relação ao que as coisas eram. É bem provável que o som das palavras tivesse o poder de despertar o aspecto não funcional da experiência, um poder que hoje está em grande parte perdido, porque a linguagem caiu sob o domínio da palavra escrita. É difícil dizer.
Deve-se falar com cautela do que não podemos observar. É nesse sentido que certas imagens podem ser úteis, enquanto nos lembrarmos de que uma imagem não é conhecimento, mas apenas um modo de considerar a nossa experiência. Se não formos flexíveis na forma de considerar a nossa experiência, essas imagens não terão sentido e nos desorientarão. Para entendê-las, devemos penetrar nelas e ver, por nós mesmos, o que transmitem. Uma das imagens mais úteis para ajudar as pessoas a compreender o que significam os três mundos (função, ser, vontade). Imaginemos uma sala com todos os tipos de instrumentos, tais como uma cadeira, uma máquina de costura, um microscópio e um telescópio. Se não houver na sala ninguém para utilizá-los, todas as funções terão fim. A máquina de costura não costuraria, exceto se houvesse quem a pusesse em funcionamento; a lâmina do microscópio não se exibiria, a menos que alguém olhasse pela ocular. Isso já será algo muito distante do óbvio, se virmos nessa descrição uma representação de como o mundo todo é. Quer dizer que cada instrumento deve ter um usuário, isto é, alguém que o ponha a funcionar a fim de se servir do que ele faz. O usuário do instrumento desempenha um papel absolutamente distinto do próprio instrumento. Estamos habituados a um mundo tecnológico no qual instrumentos parecem usar instrumentos. Mas, nesses casos — como a máquina de costura sendo posta em movimento e controlada por um programa automático — o instrumento utilizado ainda é instrumento de alguém — como o programador — e a relação entre usuário e instrumento ainda continua. Queremos dar um nome especial ao papel do usuário: vontade. A vontade não tem que ser ‘alguém’. É apenas a parte que tem a iniciativa. Não podemos conhecer nada a respeito da vontade e, por essa razão, a busca de uma pista para identificar o usuário de um instrumento nos leva a um interminável retrocesso até que, como Aristóteles, postulamos um ‘alguém’ importante absolutamente exterior ao mundo, o ‘motor primordial’. Esse erro só ocorre, quando tentamos encaixar no conhecimento, exclusivo do domínio dos fato, o que não faz parte dele.