Excerto de SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço (epub)
Como ponto de partida, propomos que o espaço seja definido como um conjunto indissociável de sistemas de objetos e de sistemas de ações. Através desta ambição de sistematizar, imaginamos poder construir um quadro analítico unitário que permita ultrapassar ambiguidades e tautologias. Desse modo estaremos em condições de formular problemas e ao mesmo tempo de ver aparecer conceitos, conforme a observação de G. Canguilhem (1955)
No caso vertente, o que se busca é uma caracterização precisa e simples do espaço geográfico, liberta do risco das analogias e das metáforas. Como lembra Dominique Le Court (1974, p.79)
A partir da noção de espaço como um conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de ações podemos reconhecer suas categorias analíticas internas. Entre elas, estão a paisagem, a configuração territorial, a divisão territorial do trabalho, o espaço produzido ou produtivo, as rugosidades e as formas-conteúdo. Da mesma maneira e com o mesmo ponto de partida, levanta-se a questão dos recortes espaciais, propondo debates de problemas como o da região e o do lugar, o das redes e das escalas. Paralelamente, impõem-se a realidade do meio com seus diversos conteúdos em artifício e a complementaridade entre uma tecnoesfera e uma psicoesfera. E do mesmo passo podemos propor a questão da racionalidade do espaço como conceito histórico atual e fruto, ao mesmo tempo, da emergência das redes e do processo de globalização. O conteúdo geográfico do cotidiano também se inclui entre esses conceitos constitutivos e operacionais, próprios à realidade do espaço geográfico, junto à questão de uma ordem mundial e de uma ordem local.
O estudo dinâmico das categorias internas acima enumeradas supõe o reconhecimento de alguns processos básicos, originariamente externos ao espaço: a técnica, a ação, os objetos, a norma e os eventos, a universalidade e a particularidade, a totalidade e totalização, a temporalização e a temporalidade, a idealização e a objetivação, os símbolos e a ideologia.
A coerência interna da construção teórica depende do grau de representatividade dos elementos analíticos ante o objeto estudado. Em outras palavras, as categorias de análise, formando sistema, devem esposar o conteúdo existencial, isto é, devem refletir a própria ontologia do espaço, a partir de estruturas internas a ele. A coerência externa se dá por intermédio das estruturas exteriores consideradas abrangentes e que definem a sociedade e o planeta, tomados como noções comuns a toda a História e a todas as disciplinas sociais e sem as quais o entendimento das categorias analíticas internas seria impossível.
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