Molière, há muito tempo, retratou um exame de doutorado oral em que os doutos doutores pedem ao candidato que diga a “causa e razão” por que o ópio faz as pessoas dormirem. O candidato responde triunfantemente em latim macarrônico: “Porque há nele um princípio dormitivo (virtus dormitiva)”.
Caracteristicamente, o cientista confronta um sistema interativo complexo – neste caso, uma interação entre o homem e o ópio. Ele observa uma mudança no sistema – o homem adormece. O cientista então explica a mudança dando um nome a uma “causa” fictícia, localizada em um ou outro componente do sistema em interação. Ou o ópio contém um princípio dormitivo reificado, ou o homem contém uma necessidade reificada de sono, uma adormitose, que é “expressa” em sua resposta ao ópio.
E, caracteristicamente, todas essas hipóteses são “dormitivas” no sentido de que adormecem a “faculdade crítica” (outra causa fictícia reificada) dentro do próprio cientista.
O estado de espírito ou hábito de pensamento que vai dos dados à hipótese dormitiva e de volta aos dados é auto-reforçador. Há, entre todos os cientistas, um alto valor dado à previsão e, de fato, ser capaz de prever fenômenos é uma coisa boa. Mas a previsão é um teste bastante pobre de uma hipótese, e isso é especialmente verdadeiro para “hipóteses dormitivas”. Se afirmarmos que o ópio contém um princípio dormitivo, podemos dedicar uma vida inteira de pesquisa ao estudo das características desse princípio. É estável ao calor? Em qual fração de um destilado ele está localizado? Qual é a sua fórmula molecular? E assim por diante. Muitas dessas perguntas serão respondidas em laboratório e conduzirão a hipóteses derivadas não menos “dormitivas” do que aquela de onde partimos.
De fato, a multiplicação de hipóteses dormitivas é um sintoma de preferência excessiva pela indução, e essa preferência deve sempre levar a algo como o estado atual das ciências do comportamento – uma massa de especulações quase teóricas desconectadas de qualquer núcleo de conhecimento fundamental.
[BATESON, Gregory. Steps to an ecology of mind. London: Jason Aronson, 1987. (Capítulo 1.4)]