- O historiador Christian Jacob1, promove uma reflexão sobre o entrelaçamento entre mapa e texto, tão presente literal e iconograficamente nos mapas da Renascença, e discorre sobre sua desunião posterior, fruto de um processo de normalização progressiva, que levou mapa e texto, a se constituírem como objetos totalmente distintos um do outro. Entretanto, a autonomia da carta em relação ao livro não rompeu com sua pertença à um universo de saber essencialmente discursivo.
- O conflito entre o legado simbólico de um mundo antigo, esvanecendo diante da ciência emergente e da forma cartográfica em busca da precisão, se fazia ainda sentir na arte renascentista de produção de mapas, enriquecendo as cartas com todo o tipo de textos, símbolos e cores, que atualmente seriam qualificados como “ruídos” indesejáveis em uma representação cartográfica.
- Entretanto o questionamento que Jacob coloca de inicio, não é este, mas justamente: afinal de contas, o que é o mapa? Questão geralmente sem uma resposta direta, pois é costume se definir o mapa como imagem de um “outro”, que não é o mapa. Esta dificuldade revela, no entanto, um aspecto da natureza do mapa: a condição de sua eficácia intelectual e social está nesta sua qualidade de “transparência”: esta sua “ausência” de ruído, que possa interferir no processo de comunicação. Desta forma pode-se definir o mapa como um significado sem significante; o mapa se esvanece na operação visual e intelectual que desdobra seu conteúdo.
- O mapa não é portanto um objeto, mas uma função. Uma função que tem seu ponto de partida aquém do momento em que o mapa em si é consultado, ou seja, ao se ocultar enquanto “veículo” de um saber, o mapa continua a atuar como um mediador interposto entre o espaço e sua representação, uma “ilusão” construída laboriosamente segundo uma Weltanschauung, um contexto sócio-político, procedimentos técnicos, convenções gráficas e artifícios visuais. A Figura abaixo tenta retratar esta atuação peculiar da carta, enquanto instrumental de visualização, simbolizada por um “óculos”, posicionado diante de seu usuário, por uma prévia construção de um “geógrafo”, que, desta maneira, “captura”, “apreende” o olhar do usuário, em lugar de uma visão direta do mundo, inapreensível em escalas geográficas menores.
JACOB, C. L’Empire des Cartes. Paris: Albin Michel, 1992. ↩