O emprego crescente de conceitos informáticos e cibernéticos nas diversas disciplinas, o uso intensivo de processos de modelagem e de simulação para estudar os fenômenos físicos ou humanos, ou a tendência ao “aprofundamento” do método científico pela formulação de sua cadeia de pensamento por meio de algoritmos são algumas das manifestações da emergência de um “paradigma da informática”.

Não se trata de um paradigma assentado apenas sobre um corpo de doutrina sistemática, tendo seus partidários e adversários declarados. Mais do que isto, vem se apresentando também como uma postura intelectual, alimentada por metáforas (processo, entrada, saída, memória etc.), procedimentos e hábitos de investigação. A própria utilização crescente de tecnologias da informação e de sistemas de informação ou de apoio à decisão vem favorizando a infiltração deste paradigma na cultura da “alta modernidade”.

Algumas interrogações se impõem de imediato: na vertente ontológica, a redução do mundo ao que dele se apreende como informação, e a representação de sistemas físicos, viventes ou psíquicos como máquinas de tratamento de informação; na vertente metodológica, a velha questão a respeito da primazia de uma única racionalidade científica, codificável, programável e aplicável a todas as situações e coisas, e também a indagação a respeito da finalidade da atividade científica, voltada para prever e calcular sempre melhor ou para tornar mais inteligível e claro o mundo que nos cerca [uma ciência para manipulação ou para compreensão? como indaga Schumacher, 1977].

 

Mas o que é isso, informatizar?

Para o Pensamento, informatizar não é o verbo que designa os fatos e feitos da informática. Não nos remete apenas para o funcionamento de ferramentas e aparelhos, não se refere a dispositivos de processamento ou a instalações de computação, com todas as mudanças que acarretam. A informatização não é o resultado da expansão mundial de uma parte, de sorte que a totalidade resultante fosse o todo de uma parcialidade geral. A informatização não se reduz a transferir determinada integração de ciência e técnica, de conhecimento e ação para todas as áreas em que se distribuem os homens histórica e socialmente organizados. Informatizar é o processo metafísico de Fim da História do poder ocidental. Na informatização e por ela, o poder de organização da História do Ocidente se torna planetário. A dicotomia de teoria e prática, de mundo paciente de objetos e mundo agente dos cérebros vai sendo superada numa composição absorvente. Por ela se complementam, numa equivalência de constituição recíproca, o sujeito e o objeto, o espírito e a matéria, a informação e o conhecimento, o mundo dos cérebros e o mundo das coisas. A luta entre materialismo e idealismo se torna, então, uma brincadeira de criança. O pessimismo e o otimismo se transformam em categorias inofensivas para classificar irmãos de uma mesma família. Sendo um verbo de essência, informatizar nos precipita na avalanche de um poder histórico de realização. Por isso não indica primordialmente o processamento automático de conjunturas, mas um processo autocrático de estruturação, que tudo aplana, tudo controla, tudo contrai numa, composição onipotente. A terra e o mundo, a história e a natureza, o ser e o nada se reduzem a componentes de compatibilidade universal. A informatização é uma voracidade estrutural em que todas as coisas, todas as causas e todos os valores são acolhidos, são defendidos, são promovidos, mas ao mesmo tempo perdem sua liberdade e fenecem em criatividade.

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