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A Prometeu, cujo mito serviu de base para o desenvolvimento inicial da ciência, sucedeu demasiado naturalmente Pandora. Acreditávamos que a ciência nos ofereceria possibilidades dentre as quais poderíamos eleger, significa que poderíamos utilizar ou rejeitar de acordo com nossos fins. Nada disto aconteceu. A ciência se tornou técnica; o possível se tornou real. “Tudo o que pode se fazer, se fará”. Cada conceito se fez realidade; cada ideia se fez máquina. O gesto esqueceu a intenção. A física fez possível a autodestruição da humanidade; a biologia fez possível sua automutação. Em nome de que vamos decidir a pôr em prática ou não pôr em prática as novas técnicas, desde a relativamente inocente fertilização in vitro às manipulações vertiginosas do genoma e da clonagem? Ou melhor, em nome de que se devem rechaçar – posto que nenhuma referência expressa, nenhuma norma moral ou lei social é necessária para aceitá-los – ? Não fazer nada é deixar fazer. Se para a resignação só basta o implícito, o rechaço deve ser explícito. Certamente, a preocupação alcança inclusive aos setores dirigentes da sociedade, que tentam conjurar sua perda de controle reunindo sérios comitês de ética. Mas como não ver a ironia da situação: os cientistas, finalmente assustados pelas consequências de seus descobrimentos, se dirigem aos políticos para mendigar, e logo exigir, regras do jogo; os políticos, aterrorizados por sua incompetência, confiam o estudo da questão aos especialistas … cientistas (que têm grande peso nas várias instâncias éticas atuais). E enquanto esse mistigri (as crianças francesas de hoje inventaram uma variante desse antigo jogo de cartas francês com o nome mais realista “pacote de merda”) continue, as investigações continuarão também. De fato, os comitês de ética, alimentando o discurso da mídia sobre as novas técnicas, domesticam a imaginário coletivo e legitimam antecipadamente as mesmas realizações que pretendiam atrasar ou impedir. No curto prazo, a situação atual só pode desembocar na justificação resignada do laxismo desbocado ou em uma contra-reação de controle violenta e cheia de arbitrariedade.

Tatiana Fernández

[Excerto de LÉVY-LEBLOND, Jeaan-Marc. La piedra de toque. La ciencia a prueba. Tr. Tatiana Sulé Fernández. México: Fondo de Cultura Económica, 2014, p. 25]

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