Axiomática

Como é possível que a matemática, que é um produto do pensamento humano e independente de qualquer experiência, possa adaptar-se tão admiravelmente aos objetos da realidade? Será, pois, a razão humana capaz de descobrir apenas pelo pensamento, sem recorrer à experiência, as propriedades dos objetos reais?

Em minha opinião, a resposta a esta questão é a seguinte: «na medida em que as proposições matemáticas se referem à realidade, não são certas, e na medida em que são certas, não dizem respeito à realidade.»

O entendimento perfeito deste assunto só se tornou comum devido à tendência matemática conhecida pelo nome de axiomática. O progresso realizado pela axiomática consiste em que ela separa cuidadosamente a parte lógica e formal do conteúdo objetivo ou intuitivo. Segundo a axiomática, só a parte lógica e formal constitui o objeto da matemática, e de modo algum o conteúdo intuitivo ou outro que se lhe acrescente.

Deste ponto de vista, examinemos um axioma da geometria, por exemplo o seguinte: por dois pontos do espaço podemos sempre traçar uma linha reta e só uma. Como é que este axioma deve ser interpretado ao modo antigo e ao modo moderno?

Interpretação antiga — Toda a gente sabe o que é uma reta e o que é um ponto. Que tal conhecimento provenha da faculdade do espírito humano ou da experiência, da cooperação de ambas ou do que quer que seja, o matemático não é obrigado a decidi-lo, abandonando essa decisão ao filósofo. Assente nesse conhecimento, que é dado antes de qualquer matemática, o axioma referido (como todos os outros) é evidente, isto é, é expressão de uma parte de tal conhecimento a priori.

Interpretação moderna — A geometria trata de objetos denominados reta, ponto, etc. Não é pressuposto qualquer conhecimento ou intuição desses objetos; o único que se pressupõe é a validade desses axiomas, que devem também ser concebidos como puramente formais, isto é, desprovidos de qualquer conteúdo intuitivo ou acessível. Tais axiomas são criações livres do espírito humano. Todas as outras proposições geométricas são deduções lógicas dos axiomas (que devem ser concebidos do ponto de vista nominalista). São os axiomas que definem, em primeiro lugar, os objetos de que a geometria se ocupa. Eis o motivo por que [wiki]Schlick[/wiki] considerou com razão os axiomas como definições implícitas.

Esta concepção dos axiomas, representada pela axiomática modema, liberta a matemática de todos os elementos que lhe não respeitam e dissipa desse modo a obscuridade mística que outrora envolvia os fundamentos da matemática. Uma tal exposição depurada torna igualmente evidente que a matemática como tal não é capaz de enunciar o que quer que seja nem a respeito dos objetos da representação intuitiva nem da realidade. Pelas palavras ponto, reta, etc., só devemos entender na geometria axiomática conceitos esquemáticos sem conteúdo. Aquilo que lhes confere conteúdo não pertence à matemática.

[wiki]Albert Einstein[/wiki], La Géometrie et l’Expérience, trad. franc, de M. Solovine, pp. 3-5.