Ceticismo

Os novos céticos transmitiram estes cinco modos da suspensão do juízo. […] O primeiro diz respeito ao desacordo: verificamos que, quanto a uma proposição que nos metem debaixo dos olhos, há na vida e nos filósofos um desacordo que se não pode evitar; e, por consequência, não sendo possível preferir ou contestar, chegamos à suspensão do juízo. O segundo é a regressão até ao infinito: dizemos que a prova que aduzem para garantir uma proposição tem necessidade de uma outra prova, e esta de outra, até ao infinito; por isso, como não sabemos por onde principiar o raciocínio, a suspensão do juízo é a consequência natural. O terceiro é extraído da relatividade: o objeto aparece-nos tal ou tal consoante aquele, que julga e segundo as circunstâncias da observação, mas abstemo-nos de julgar aquilo que existe por natureza. O quarto modo é o do postulado ou da posição de base: contestados até ao infinito, os dogmáticos consideram um ponto de partida que não demonstram, mas o qual julgam digno de obter o seu assentimento de modo absoluto e sem demonstração. O quinto modo é o do círculo vicioso: aquilo que deve confirmar a coisa em questão precisa de ser demonstrado precisamente pela coisa em questão; por isso, não podendo tomar nem um nem outro para encontrar o outro, abstemo-nos de julgar acerca de um e do outro. É possível reduzir a estes modos tudo quanto está em questão.

[wiki]Sextus Empiricus[/wiki], Obras Escolhidas de Sextus Empiricus, trad. franc. de Genevieve Goron, pp. 190-191.


HESSEN, Johannes. Teoria do Conhecimento. Tr. João Vergilio Gallerani Cúter. São Paulo: Martins Fontes, 2000

Extrema se tangunt! Os extremos se tocam! Esta sentença também vale no campo epistemológico. Muitas vezes, o dogmatismo transforma-se em seu contrário, o ceticismo (de sképtesthai, considerar, examinar). Enquanto o dogmático encara a possibilidade de contato entre sujeito e objeto como auto-evidente, o cético a contesta. Para o ceticismo, o sujeito não seria capaz de apreender o objeto. O conhecimento como apreensão efetiva do objeto seria, segundo ele, impossível. Por isso, não podemos fazer juízo algum; ao contrário, devemos nos abster de toda e qualquer formulação de juízos.

Enquanto o dogmatismo de um certo modo desconsidera o sujeito, o ceticismo não enxerga o objeto. Seu olhar está colado de modo tão unilateral ao sujeito, à função cognoscente, que desconhece por completo a referência ao objeto. Sua atenção está sempre completamente direcionada aos fatores subjetivos do conhecimento humano.

Ele observa que todo conhecimento é condicionado por peculiaridades do sujeito e de seus órgãos de conhecimento, bem como por circunstâncias externas (meio ambiente, cultura). Com isso, desaparece de sua vista o objeto, que é, no entanto, necessário para que aconteça o conhecimento, que significa exatamente uma relação entre um sujeito e um objeto.

Como o dogmatismo, o ceticismo também pode estar associado tanto à possibilidade do conhecimento em geral quanto de um conhecimento determinado. No primeiro caso, estamos diante de um ceticismo lógico, também chamado ceticismo absoluto ou radical. Se referir-se apenas ao conhecimento metafísico, falaremos de ceticismo metafísico.

Com respeito ao campo dos valores, distinguimos o ceticismo ético do ceticismo religioso. Para o primeiro, o conhecimento ético é impossível; para o segundo, o religioso.

Finalmente, cabe distinguir ainda o ceticismo metódico do sistemático. Aquele está relacionado a um método; este, a uma posição de princípio. Esses tipos de ceticismo não passam de diferentes formas dessa posição de princípio. Mas o ceticismo metódico consiste em pôr em dúvida tudo que aparece como certo e verdadeiro à consciência natural, eliminando toda a inverdade e atingindo um conhecimento absolutamente seguro.