Cibernética

Lanciani2003

Quando os cognitivistas precisam identificar os predecessores de seu pensamento, e quando se trata de dar a si mesmos uma reivindicação de nobreza, por assim dizer, eles prontamente se referem a filósofos como Descartes ou Hobbes e, mais recentemente e especialmente no caso dos cognitivistas franceses, a Comte. Na realidade, é preciso admitir que, mesmo que algumas das ideias cognitivistas tenham vínculos com os pensadores em questão, o pensamento [12] atualmente chamado de cognitivista tem suas fontes em um período muito mais recente. Seus ancestrais mais próximos, cujas teses eles corrigiram, mas que, provavelmente devido ao rigor de seu pensamento, podem ser incluídos nas razões para o surgimento das ciências cognitivas, são os cibernéticos, dos quais N. Wiener foi o pai. Isso nos mostra que a referência aos filósofos anteriores é, por um lado, filtrada pelo período cibernético, e esse fato, por outro lado, orienta a leitura desses mesmos filósofos modernos de uma maneira muito especial. Além disso, e apenas a título de introdução, essa origem também permite compreender, desde o início, o vínculo muito estreito que a escola cognitivista tem com os problemas do computador, um vínculo herdado do período histórico que viu o nascimento do computador. De um ponto de vista histórico, tanto as teses quanto as “práticas” de J. Von Neumann, com a construção do primeiro computador, mostram como as preocupações cognitivistas estão ligadas de duas maneiras, desde o início, às dificuldades de mecanizar o pensamento, dificuldades colocadas pela nascente ciência da informação.

Mas a outra opção importante que condicionou os ciberneticistas desde o início, principalmente N. Wiener, foi o poder da física em resolver, por meio de modelos isomórficos, vários problemas relativos a fenômenos que são diferentes à primeira vista. Por exemplo, o fato de que a teoria das ondas pode, ao mesmo tempo, nos mostrar um comportamento semelhante, em certos aspectos, entre as ondas do mar e a vibração de uma corda de violão ou, e na época isso era da maior importância, o comportamento do elétron, justificou a tentativa de estender essa “busca por isomorfismos” para ambientes até então desconhecidos, como o cérebro e/ou a inteligência. Ao mesmo tempo, como tem sido o caso em toda a ciência desde Galileu, era necessário passar dessa intuição para a consideração real de quantidades que poderiam ser medidas de fato, e a possibilidade de fazer isso foi oferecida por uma teoria quase contemporânea: a teoria da informação de C. Shannon [[A teoria original da informação pode ser encontrada em C. Shannon & W. Weaver, The Mathematical Theory of Communication, (original. 1949) University of Illinois Press, Urbana, 1999]]. Essa teoria, originalmente limitada ao mundo da engenharia de comunicações (comunicação de sinais, vale lembrar), tornou-se, nas mãos de Wiener, uma ferramenta capaz, pelo menos teoricamente, de abordar, com seu próprio poder de iluminação, ambientes até então resistentes a qualquer possibilidade de investigação lógico-matemática. Sem querer considerar a bizarra teoria derivada disso por Wiener, uma teoria para a qual a informação nada mais é do que entropia negativa, porque é uma teoria que, em certo sentido, será esquecida mais tarde, podemos nos contentar com as palavras com as quais o fundador da cibernética nos mostra o acesso a mundos até então inacessíveis ao pensamento modelador modelado no pensamento da física teórica:

A característica mais importante de um organismo vivo é [13] sua abertura para o mundo exterior. Isso significa que ele é dotado de órgãos de acoplamento que lhe permitem coletar mensagens do mundo exterior, mensagens que decidem sua conduta futura. É instrutivo considerar isso à luz da termodinâmica e da mecânica estatística[[AA. VV. Teleological Mechanism, Conferência realizada pela Academia de Ciências de Nova York, 21 e 22 de outubro de 1946; publicada em Annals of the New York Academy of Sciences, vol. 50, art. 4, 1948; pp. 187 – 278. Tiramos essa tradução de J.-P. Dupuy, Aux origines des sciences cognitives, La Découverte, Paris, 1999; p. 121]].

A partir dessa breve apresentação da cibernética, os principais elementos já se seguem, o que nos permite descobrir os significados desse empreendimento que permanecerão qualitativamente inalterados ao longo da história do cognitivismo:

1° A referência às ciências exatas (matemática e física) não é primordialmente uma referência a métodos, mas, de modo mais geral, à construção de modelos capazes, mais ou menos bem, de explicar uma pluralidade de situações. Em certo sentido, portanto, todos os fenômenos não serão analisados de acordo com a estrutura de um método experimental clássico praticado até agora na biologia, mas por meio do filtro representado pelo modelo.

2° Isso implica que o modelo tem um papel muito mais poderoso do que nas ciências das quais partimos: em certo sentido, a construção do modelo se torna a construção de um objeto que pode reproduzir as características do ser vivo do qual ele é, de certa forma, o duplo ou a cópia (ou vice-versa, como veremos).

O fato de termos de aplicar essa ideia de modelo à biologia ou às ciências sociais significa que, para acomodar o conceito de informação como uma quantidade mensurável que temos agora, temos de tornar as mesmas disciplinas que pretendemos analisar adequadas a esse tratamento. Para isso, precisamos primeiro de uma epistemologia adequada – que nos permita explicar quando e onde um modelo é aplicável – e, por mais paradoxal que possa parecer, de uma biologia igualmente adequada.