Esta expressão é equívoca porque, se admitirmos que as matemáticas têm por objeto relações abstraídas da experiência, elas são ciências da natureza.
Poderia talvez dizer-se que as matemáticas nunca consideram senão relações, enquanto as ciências da natureza, ao lado destas relações, se ocupam também das realidades entre as quais são estabelecidas tais relações.
Mas isso seria ter das ciências da natureza uma concepção que muitos consideram metafísica. No seu estado atual, é seguro que estas ciências ignoram a natureza última das realidades que estudam. Visam apenas estabelecer leis, isto é, relações. Não é difícil darmo-nos conta de que, no caso de chegarem a definir uma constituição da matéria, só o poderão fazer mediante relações. […]
Assim, as ciências da natureza, tal como as ciências matemáticas, não determinam e talvez nunca venham a determinar senão relações.
A diferença entre as ciências da natureza e as ciências matemáticas será de método? Para aqueles que creem que as matemáticas são uma criação do espírito tal diferença é válida. Não o é para os empiristas. E podemos considerar, dado que a mecânica se apresenta hoje sob forma exclusivamente matemática e que a física e a química tendem cada vez mais para essa forma, que não há entre as matemáticas e as ciências da natureza senão uma diferença de grau do ponto de vista do método. Nas primeiras o período experimental foi mais curto, porque logo se determinaram as relações simples que podiam permitir a dedução. Nas ciências da natureza, pelo contrário, o período experimental prolonga-se indefinidamente, devido à complexidade do objeto.
Parece avisado concluir que entre as ciências matemáticas e as ciências da natureza todas as diferenças são da mesma ordem da precedente: são apenas de grau. Mas tais diferenças de grau são suficientemente sensíveis para que estas duas espécies de ciências constituam dois domínios facilmente delimitáveis. Grosseiramente, poderá dizer-se que se trata de pesquisa matemática quando empregamos a dedução e não verificamos experimentalmente, por forma consciente e refletida, as premissas de que partimos e que se nos afiguram evidentes ou deduzidas de premissas evidentes. Pelo contrário, estaremos no âmbito de uma ciência da natureza quando pedirmos de maneira consciente e refletida à experiência a verificação das proposições a partir das quais raciocinamos e dos resultados a que chegamos.
A primeira de tais ciências parece ser a mecânica, que assenta nas leis experimentais descobertas por Galileu e Newton: princípios da inércia, da ação e da reação, da independência dos movimentos. A mecânica é a ciência das deslocações das massas materiais no espaço ou das transformações do movimento. Diferencia-se de uma ciência puramente matemática por recorrer à experiência para estabelecer os princípios dessa transformação.
A física pode ser definida como a ciência das transformações da energia. A química, como a ciência das transformações da matéria. Finalmente, a biologia, como a ciência das transformações da matéria viva.
[wiki base=”FR”]Alain Rey[/wiki], Leçons de Philosophie, 1927, pg. 67-68.