Em matemática assimila-se a estrutura à sintaxe do fenômeno, enquanto que o modelo corresponde à semântica do fenômeno. Ora, construímos uma “semântica” para um sistema formal A estabelecendo uma correspondência entre cada um dos elementos de A e cada um dos elementos do sistema semântico A’; os elementos de A’ são as “interpretações” ou o “significado” dos elementos de A. Exemplifiquemos. Um sistema formal largamente utilizado é a álgebra de Boole. Uma “interpretação” da álgebra de Boole é dada pela lógica proposicional. No entanto, intuitivamente quando a manejamos, a própria álgebra de Boole já é compreendida como por exemplo uma álgebra de conjuntos — sua semântica intuitiva é implicitamente utilizada inclusive como um guia para a demonstração de novos teoremas dentro ou a respeito do sistema. O que quer dizer; se formalmente distinguimos entre a “estrutura” e o “modelo” (compreendendo-se como “estrutura” um sistema de objetos “quaisquer” entre os quais definimos certas leis “abstratas”), na prática matemática tal distinção nem é feita nem pode ser feita, havendo necessariamente uma ‘imagem” que serve como “guia” e “interpretação” para o estudo e a manipulação do formalismo. Embora formalmente a distinção entre “estrutura” e “modelo” tenha uma vasta» aplicabilidade, no desenvolvimento de uma epistemologia para ciências que dependem da linguagem matemática as relações entre a estrutura e o modelo devem ser consideradas com extremo cuidado. A física nos levanta novos aspectos deste relacionamento. Como consequência dos trabalhos de Euler, Lagrange e, mais tarde, Hamilton, em fins do século XVIII e inícios do XIX, a mecânica newtoniana atingiu um grau de extrema formalização, tendo sido inclusive possível reduzir-se as três leis do movimento de Newton — cujo status ontológico não é muito aparente — ao princípio de Hamilton. Este é um princípio funcional; enquanto apenas a segunda lei de Newton implicava numa relação mais complexa entre as grandezas físicas envolvidas num processo dinâmico, o princípio de Hamilton não nos dá mais a forma das Leis mecânicas; ele se restringe a dizer que espécies de funções podem representar as leis da mecânica. Dando um exemplo muito grosseiro, ele não diz que “palavra”, de um dicionário, é uma lei física. O princípio de Hamilton se limita a mostrar de que partes do dicionário poderemos tirar palavras que podem, eventualmente, se revelar como sendo leis físicas. O princípio de Hamilton é tão vasto que, dentro do formalismo capaz de ser nele deduzido, Erwin Schrödinger enquadrou em 1926 a sua mecânica ondulatória. O que quer dizer: tanto a mecânica clássica quanto a mecânica quântica são modelos diversos da mesma estrutura. A complexidade do problema se revela quando nos lembramos que, pelo teorema de Ehrenfest, a mecânica clássica pode ser vista como um “caso limite” da mecânica quântica. Um caso semelhante é o do “princípio da covariância” de Einstein. Einstein postulou que as leis da física deveriam ser “covariantes”, isto é, “independentes dos referenciais em relação aos quais fossem postuladas”. O que equivale a dizer: as leis da física são “objetivas”, independentes do ponto do espaço e do tempo no qual se situa o observador. Einstein, como pode ser facilmente visto, simplesmente explicitou o que já era utilizado implicitamente há muito tempo. Mas o problema que se revelou foi: como traduzir formalmente o princípio da covariância? Uma série de sugestões levaram Einstein a desenvolver a relatividade geral baseando-se no seguinte postulado: supor que as leis da física são covariantes equivale a se supor que as leis da física possuem caráter tensorial. O princípio de covariância se mostrou, então, como sendo também um princípio funcional: as leis físicas pertencem à classe das expressões matemáticas que possuem caráter tensorial. Em diferentes regiões do espaço essas leis serão “diferentes”, mas serão todas tensores. Deve-se notar, no entanto, que há outras maneiras de se formalizar o princípio da covariância, o que nos levaria a leis físicas pertencentes a uma classe funcional diversa, talvez, da classe das expressões com caráter tensorial. No caso do princípio da covariância, complica-se a questão das relações entre estrutura e modelo. Um enunciado ontológico — a respeito da “natureza” do mundo físico — tem sua “interpretação” dada por um formalismo, o formalismo da análise tensorial. O que se torna aparente, portanto, é que as categorias de “estrutura” e “modelo” só têm sentido fora de uma epistemologia das ciências formalizáveis, desde que seu emprego nelas pode levar a perigosas contradições ou confusões.