Idealismo

Os antigos não consideravam um problema o conhecimento sensível, o dado pelo senso comum (pela conjunção das assimilações provenientes dos sentidos). Contudo contra essa objetividade surgiu entre os idealistas um movimento contrário, que começou a considerar um problema o conhecimento sensível. Eles entendiam que nossos conhecimentos das coisas sensíveis não correspondiam propriamente a entidades existentes fora dos mesmos, coisas reais extra mentis, independentemente da nossa mente, mas apenas representações mentais, aparências meramente subjetivas, objetos construídos pela nossa esquemática; portanto dependentes exclusivamente das formas a priori (independentes da experiência) da própria mente humana, que terminava por construir, como estruturas reais e objetivas, o que não passava de simples construções do nosso espírito. Alguns chegaram a afirmar que nada existia fora de nossa mente, e que a única realidade era a espiritual, como os idealistas metafísicos.

São inúmeras as posições idealistas, e elas se distinguem por pequenas diferenças. Não é possível estabelecer um quadro rigoroso das diversas doutrinas idealistas, mas só um quadro geral, onde são incluídas as principais posições, sintetizadas em duas posições polares: 1) a dos que admitem a existência do mundo exterior, independente de nossos sentidos, mas do qual apenas temos uma representação, que não corresponde à realidade do mesmo, que apenas constitui uma estrutura modelada, formada pela nossa esquemática mental; posição universalista; 2) a dos que admitem que nossas representações são meras aparências subjetivas, negando a realidade do mundo corpóreo e, afirmando apenas a do mundo espiritual ou metafísico, como o idealismo acosmístico de [wiki]Berkeley[/wiki]. É uma posição particularista que afirma que o nosso conhecimento é apenas imanente e não reproduz realmente o que há fora de nós, nem que as coisas tenham as propriedades que nossos sentidos afirmam. Todo ser que conhecemos é o ser de nossa própria percepção (esse est pericipi = ser é ser percebido).

Examinando a primeira posição encontramos uma sequência de distinções. Há os que afirmam que as formas subjetivas pertencem apenas à natureza humana, e o mundo que conhecemos é o nosso mundo, modelado antropologicamente. É o idealismo psicologista ou ideal-realista que afirma estar a realidade das ideias apenas nas ideias.

Para uns, como [wiki]Fichte[/wiki], estas formas estão no ego humano, ou então num ego absoluto, no Absoluto, no qual tanto se identificam o ego como o não-ego, onde a ordem real se identifica com a ordem ideal (real-idealismo), como [wiki]Schelling[/wiki]. Para outros, estão na Ideia Absoluta que afirma a si mesma, e outras que a si mesma, numa contínua evolução, como [wiki]Hegel[/wiki], ou nada mais são as ideias que meras construções das representações que temos de nossa experiência; idealismo empírico de Hume, o idealismo kantiano, o idealismo transcendental.

O que há de comum em todas as posições idealistas é a característica céptica e relativística em relação ao conhecimento humano. Consequentemente têm de afirmar que não temos uma verdade e uma certeza formal. Contudo, se se assemelham ao cepticismo num aspecto, dele divergem pela afirmação da certeza que têm da verdade da sua posição. O conhecimento é assim necessariamente humano e o mesmo para todos. Deste modo aquele que pensa segundo as normas comuns da mente humana está com a verdade, e se delas se desvia, erra. Refuta-se a posição idealista do seguinte modo: ela nega uma certeza real e formal, cuja certeza é demonstrada. Consequentemente o idealismo falha pela base. Há princípios filosóficos que não são verdadeiros apenas na nossa mente, mas também na realidade. Diz o idealista que todas as nossas cogitações representam meras aparências subjetivas, que não se conformam com as coisas. Se realmente é assim, há um conhecimento que se conforma com as coisas, que é o do idealista, pois seria conforme com a realidade que nossos conhecimentos não se conformam com a realidade, o que é contraditório afirmar. Ademais o idealista diz que não há conformidade alguma entre o nosso conhecimento com as coisas: é uma afirmativa céptica.

Porém como poderia o idealista afirmar com fundamento o seu postulado? Como pode garantir a não existência de um mundo real-real, apenas fundando-se em suas afirmações, bem como poderia garantir que nossos conhecimentos não são conformes à realidade exterior, que ele nega conhecer?E estabelecer uma adequação ou não entre dois termos quando de antemão se afirma que se desconhece um deles?

Mas o idealista retruca: para alguém saber se o seu juízo é verdadeiro, seria mister que pudesse compará-lo com a coisa vista em si mesma. Ora, tal é impossível; portanto, nunca se pode saber se o juízo é verdadeiro. E é verdadeira a afirmativa, porque a coisa que está no intelecto, nele não está como na realidade, mas apenas é uma representação. Neste caso a comparação só pode ser feita com uma representação da coisa, e não com a coisa; portanto é impossível comparar um juízo da coisa com a coisa. Mas a afirmativa da premissa maior é negada, porque o que afirma com o juízo é a existência em ato da coisa. O juízo é uma afirmação, é um julgamento. Seria tolice pensar que para ter uma ideia verdadeira de um avião necessitássemos tê-lo na mente. A existência do avião se dá em si mesmo , e o que a mente afirma não é a presença dele, mas a realidade dele em si mesmo. Não há necessidade para ser verdadeiro um juízo, que seja idêntico com o que ele afirma. Para ter a ideia do fogo não precisamos ter em combustão nem em brasas a nossa mente. Dizer-se que um ser intelectual é apenas intelectual é não compreender a sua intencionalidade. Que é um ser intelectual, quem o negaria? Mas que a intencionalidade não se refira ao que há fora da mente, pelo simples fato de estar na mente, revela uma confusão de ideias. Quando pensamos em água, referimo-nos à água que há. Não é preciso que o pensamento da água seja água, para que seja verdadeiramente uma intencionalidade daquela. Não haver compreendido essa verdade elementar do juízo, ou melhor, por nunca terem compreendido claramente a teoria do juízo, é que os idealistas cometeram tantos erros.

Outro argumento de um idealista: o ente que não é um ato cogitado é um ente em ato ignorado; ora, do ente ignorado nada sei; logo, do não cogitado não sei se existe independentemente da mente ou não existe. É certo que do ente do qual não cogitamos não podemos dizer que existe, porque então dele cogitaríamos. Mas do qual cogitamos, poderíamos dizer que não é um produto apenas da nossa mente, e que pode ter uma existência independentemente de nós.

Contudo, de todos esses idealistas, o que mais auxiliou a confusão das ideias humanas, e de onde partiram as doutrinas mais deploráveis foi, sem dúvida, Kant. Esses erros tornaram-se verdades incontrastáveis e entusiasmaram a muitos filósofos, que aceitaram sem exame e consideraram até como algo definitivo.

A posição kantiana é falsa por muitas razões: 1) Que o espaço e o tempo são formas a priori é improcedente, como se demonstra na cosmologia; 2) Que a experiência não nos dá o universal, nem pode explicá-lo, revela apenas desconhecer o em que consiste a abstração humana, como a expôs Aristóteles e os escolásticos; 3) Negar ao intelecto intuições próprias desmente-se pela intuição das próprias intuições e do próprio eu, e das espécies impressas no mesmo, pois é ele tanto ativo como passivo; 4) Segundo a posição kantiana não se podem dar juízos sintéticos a priori; 5) Todas as suas exposições da doutrina escolástica são fundamentalmente erradas e demonstram que não a conhecia; 6) Desconhecia a doutrina dos juízos virtuais; 7) Suas alternativas (e divisões) são falsas, pois deixa de considerar uma terceira possibilidade como se vê no referente ao conhecimento a priori e a posteriori, e em muitas outras divisões; 8) Entra em muitas contradições, como a de afirmar que jamais a mente humana é capaz de saber o que é a coisa em si e, no entanto, admite que ela se dá. Ademais afirma que há causalidade ao declarar que o númeno causa em nós o fenômeno, e depois conclui que a existência da causalidade é meramente subjetiva; 9) Ao afirmar que nossos conhecimentos são meramente subjetivos e meras aparências, cai no idealismo absoluto; 10) Afirma que o númeno só é aceito pela fé. E como então admitir que ele nos dá conhecimentos?

A obra de Kant promoveu o advento de uma série de doutrinas errôneas e prejudiciais como o positivismo, o agnosticismo, o idealismo, o intelectualismo, o pragmatismo, o vitalismo, o voluntarismo, o panteísmo, o relativismo psicológico e provocou o ficcionalismo.

Lamentável tem sido o erro daqueles que julgam que, por não termos a possibilidade de alcançar uma verdade absoluta, exaustiva, consequentemente, tudo quanto sabemos é falso. Ora, nada podemos saber desta porta porque não a captamos em si, em toda a sua pujança de ser. Mas esquecem que as perfeições in indivisibili e as in divisibili distinguem-se entre si por não estarem as primeiras sujeitas a graus, enquanto as segundas o estão. Assim, ou isto é uma porta ou não é; contudo pode ser mais alta ou mais curta, tecnicamente mais bem feita ou não. A substância, por exemplo, não está sujeita a mais ou menos. Um ser humano, enquanto ser humano, não é mais como espécie do que outro ser humano. Basta que nosso esquema mental se adeque ao que a coisa é para que seja ele verdadeiro. Ademais que seria a porta em si? Em si ela é apenas um artefato que tem uma determinada função e nada mais que isso. Ademais, já não é a porta, mas a matéria que a compõe, etc. A coisa em si que Kant falava era apenas um fantasma que ultrapassaria a toda experiência, e como a colocava fora de toda experiência, seria ela consequentemente, previamente inatingível. Conseguia, assim, com algumas ideias verdadeiras, construir estruturas filosóficas falsas, e lançava a dúvida total à capacidade humana de conhecer, pelo simples fato de que ela não conhecia o que ele pretensamente tornava de antemão incognoscível. Quando dizemos que este objeto é uma porta, dizemos que este fato do mundo exterior se adéqua especificamente ao conceito (que significa a ordem dos objetos, que têm uma determinada lei de proporcionalidade intrínseca, logos) que nomeamos porta e se adéqua a este objeto do mundo exterior.