Kuhn

(Japiassu)

Thomas Kuhn, notadamente em seu The structure of scientific révolutions (University of Chicago Press, 1970), ao interessar-se pela história das ciências, percebeu, com surpresa, que algumas de suas concepções sobre a natureza da ciência e as razões de seu êxito precisavam ser postas em questão. Tomou consciência de que a história das ciências se limitava à análise das grandes obras clássicas ou dos manuais nos quais gerações de cientistas haviam aprendido seu metiê. Ora, tais obras, elaboradas para persuadir e instruir, forneciam apenas uma imagem deformada da natureza real da concepção da ciência. A História era concebida como um desenvolvimento contínuo e linear, no qual integravam-se harmonicamente, por um processo acumulativo, inúmeras descobertas científicas, e na qual os erros e as crenças eram, sumariamente eliminados como superstições aberrantes. No entanto, tal como Bachelard, Kunh vem mostrar que as doutrinas científicas superadas também pertencem à ciência. Esta não resulta mais de um lento processo de acumulação de “verdades”, perturbadas pelos erros ou pelos mitos, mas de uma sucessão de concepções que os homens se fizeram da Natureza, de crenças recebidas entre os sábios que ditavam suas pesquisas. A cada uma dessas concepções corresponderam obras fundamentais nas quais se manifestava o conjunto da ciência. Assim, forjaram-se os paradigmas do grupo científico. A partir de cada paradigma, desenvolveu-se uma ativa pesquisa: a “ciência normal”. Com o tempo, os pesquisadores da ciência normal se colocaram enigmas que não são resolvidos admitindo-se as concepções do paradigma vigente. Quando se acumulam essas anomalias e são preenchidas certas condições sócio-culturais, ocorre um questionamento fundamental culminando na dissolução do paradigma, antigo e no aparecimento de um novo. E assim que se produzem as revoluções científicas. A comunidade científica reformula seus compromissos com os modelos anteriores de saber; as ciências não evoluem, mas revoluem, são o produto de um processo contraditório. E neste processo, interferem fatores extra-científicos.

O grande mérito do livro de Kuhn consiste em mostrar que a ciência não pode ser ensinada dogmaticamente, mas em sua historicidade, como processo descontínuo, marcado por uma sucessão de paradigmas, de novas ideias, de novas orientações teóricas produzindo uma nova estruturação da “visão de mundo” dos cientistas. Com efeito, ele atribui ao historiador das ciências duas tarefas fundamentais: “de um lado, deve determinar quando e por quem cada fato, teoria ou lei científica contemporânea foi descoberta ou inventada; do outro, deve descrever e explicar os amontoados de erros, mitos e superstições que inibiram a acumulação mais ou menos rápida dos elementos constituintes do moderno texto científico” (p.20). Os historiadores das ciências, prossegue, “em vez de procurar as contribuições permanentes de uma ciência mais antiga para nossa perspectiva privilegiada, procuram apresentar a integridade histórica daquela ciência, a partir de sua própria época. Por exemplo, perguntam não pela relação entre as concepções de Galileu e as da ciência moderna, mas pela relação entre as concepções de Galileu e aquelas partilhadas por seu grupo, isto é, seus professores”[(Ibid).]