Matemática

«Toda ciência», disse alguém, «é tão-só uma linguagem bem feita.» Errava quem se exprimia deste modo. Era um matemático, e não se deu conta de que tinha em mente só a matemática. Quando [wiki]William Harvey[/wiki] observou a circulação do sangue, quando [wiki base=”FR”]André-Marie Ampère[/wiki] formulou as leis que regem a ação das correntes entre si, quando [wiki base=”FR”]Pasteur[/wiki] vacinou contra o carbúnculo ou contra a raiva, cada um deles descobriu coisa muito diversa duma linguagem.

Referida à matemática, a ideia é justa em grande parte: mais ainda, a curiosidade do matemático dedica-se, na maior parte dos casos, à busca, para exprimir os mesmos fatos, de várias linguagens tão variadas quanto possível, e podemos avançar ainda que a matemática é um vasto dicionário de sinônimos. Afirmar que «três vezes cinco são quinze» consiste evidentemente no enunciado de uma sinonímia. Por isso, as palavras equivalente e idêntico são daquelas que aparecem com muita frequência nos escritos matemáticos. Muito típica, sob este aspeto, é a locução, também constantemente utilizada, «condição necessária e suficiente». Uma condição necessária e suficiente para que dois triângulos sejam iguais é que tenham um ângulo igual compreendido entre dois lados respetivamente iguais, ou então os seus três lados respetivamente iguais. Portanto, estas duas condições são equivalentes: dizer que dois triângulos têm um ângulo igual compreendido entre dois lados respetivamente iguais, ou dizer que têm os três lados respetivamente iguais, são dois enunciados sinônimos.

Como o fato de uma condição A ser necessária e suficiente para que um fato B se realize comporta evidentemente duas partes, pode acontecer que só uma de tais partes seja verdadeira (ser a condição A necessária sem ser suficiente ou suficiente sem ser necessária), ou ainda que estejamos apenas aptos a demonstrar uma dessas partes. Mas, uma vez na posse de uma condição A que é necessária, o matemático procura sempre, quer demonstrar que ela também é suficiente, quer completá-la de modo que se torne tal. As transformações, as equivalências, susceptíveis de servirem deste modo de objeto à matemática, podem ser de muito diversas naturezas — muito mais diversas, apercebemo-nos disso boje, do que se imaginara nos séculos passados. Apenas cumpre que possamos falar de equivalências perfeitas: a matemática é a ciência de tudo aquilo acerca do qual podemos raciocinar com exatidão. Na verdade, uma primeira vantagem desta linguagem bem feita é que ela não tem vocabulário para exprimir as ideias confusas; e, às vezes, este fato basta, por si mesmo, para evitar o erro. Por isso, a intervenção da matemática nos conhecimentos humanos adquire extensão tanto maior quanto mais exatos e mais rigorosos estes se tornam. Tal intervenção só na nossa época surge na biologia; pelo contrário, há muito que a física, e sobretudo a astronomia, não dispensam a sua ajuda. A linguagem que é a matemática tornou-se indispensável ao físico, e sobretudo ao astrônomo, para notar e exprimir, com todo o rigor e todo o pormenor necessários, os fatos que registam.

[wiki base=”FR”]Jacques Hadamard[/wiki], «La Science Mathématique», in Encyclopédie Française, t. i, p. 152-1.