A TÉCNICA E SEU RITUALISMO

Barrett1978

Os índios Yurok são uma tribo que vive na costa do Pacífico. Sua principal fonte de subsistência é o salmão que vem do oceano para os rios. Antes da estação de crescimento, os Yurok constroem uma represa para capturar os peixes e garantir um bom estoque para o inverno. A construção dessa represa é precedida e acompanhada de muitas cerimônias e rituais. Há apresentações coletivas de mitos tribais, banhos de purificação, jejum de certos alimentos, abstinência sexual e um tabu contra certos tipos de linguagem obscena. Depois que o trabalho é concluído e os peixes são armazenados, segue-se um curto período de relaxamento, uma espécie de bacanal em que a liberdade sexual e a licença verbal são permitidas.

A barragem em si é uma conquista tecnológica bastante complexa, mas, para os Yurok, os rituais que a acompanham são parte integrante dessa técnica de pesca tanto quanto o ato de fabricar ou preparar as redes e outros equipamentos. Para a mente civilizada, isso representa uma incapacidade de separar os componentes subjetivos e objetivos do trabalho de pesca. O aborígene não entende o motivo dessa separação e, se entendesse, se rebelaria contra ela. Todos os costumes herdados lhe ensinam a sabedoria de não separar o homem da natureza na qual ele se move. Para ele, o peixe pescado e até mesmo a habilidade do pescador são uma dádiva da natureza. Consequentemente, a pesca não é uma agressão da vontade humana contra a natureza. Tardiamente, começamos a reconhecer que esses rituais podem ter uma eficácia “psicológica”. Mas esse mesmo reconhecimento mostra que não podemos retornar ao estado primitivo, pois os termos em que agiríamos também são completamente estranhos a ele.

No sentido antropológico mais amplo, todos os rituais podem ser considerados como técnicas, e uma cultura é a soma de seus rituais. Alguns rituais ainda persistem em nossa tecnologia. Quando uma represa hidrelétrica é concluída, geralmente há várias cerimônias de comemoração: um grupo de pessoas se reúne, há discursos de políticos, uma banda toca e, se a ocasião justificar, há até mesmo um culto religioso realizado por um representante da igreja. Mas essa pompa dificilmente é genuína se comparada à dos Yurok. O antropólogo objetivo observaria que, em todo o espectro de culturas humanas, na nossa o ritual é mais mecânico e externo à tecnologia.