LÓGICA EM RUSSELL, DESVENTURAS PÓS PRINCIPIA

Barrett1978

É difícil detectar se a técnica lógica desempenhou ou não um papel importante na formação das filosofias de Russell e Whitehead, os autores de Principia. Dois anos após o aparecimento do primeiro volume de Principia, em The Problems of Philosophy (1912), a posição de Russell se desenvolve independentemente da lógica matemática. Essa posição é o platonismo, elaborado como uma rebelião contra o idealismo no qual Russell havia sido treinado. Suas razões para essa mudança não derivam do aparato da lógica matemática. Em retrospecto, pode-se fazer o julgamento oposto: grande parte da estrutura platônica dos Principia deve sua forma a uma filosofia desenvolvida independentemente.

Em 1914, em Our Knowledge of the Eternal World, Russell muda de rumo e proclama que “a lógica é a essência da filosofia”, atribuindo assim um papel determinante à nova técnica. Essa simples afirmação — “a lógica é a essência da filosofia” — resume o núcleo do positivismo lógico muito antes do surgimento desse movimento. Nos anos seguintes, entretanto, a posição de Russell mudou de rumo com tanta frequência que só se pode concluir que, se essas diretrizes vieram da lógica, elas claramente forneceram orientações muito incertas e inconclusivas.

Em 1912, a posição de Russell era a de um dualismo de acordo com as linhas usuais e tradicionais. A experiência é dividida em dois mundos: um privado ou subjetivo e outro público ou objetivo; os mundos da percepção dos sentidos e da física. Como veremos, essa doutrina será um tema recorrente neste livro. É uma doutrina que moldou o clima intelectual de toda a era moderna e contra a qual os filósofos deste século, independentemente de suas diferentes escolas, se sentiram chamados a lutar. Russell também não se sente confortável com ela e, em 1914, ele tenta transcender a doutrina dos dois mundos construindo uma ponte entre o mundo da mente e o da matéria — ou, como ele diz, entre a psicologia e a física. Para isso, ele adota de Whitehead uma técnica lógica para derivar os conceitos abstratos da física a partir de dados sensoriais concretos. Se os conceitos fundamentais — de espaço, tempo e matéria — nos quais enquadramos nossa noção do mundo físico puderem ser exibidos como derivados de nossa experiência sensorial, será mais fácil superar o abismo entre os dois mundos. No entanto, ainda existem dois mundos — se não existissem, por que lutar arduamente para construir uma ponte entre eles?

Em seguida, Russell deu outro passo, que não aparece tão explicitamente até 1921, em sua Análise da Mente. Em vez de um dualismo entre dois mundos, há agora uma doutrina que ele chama de “monismo neutro”. (Os termos, bem como a sugestão inicial, foram emprestados de William James, embora Russell os use de uma forma não jamesiana). ) Não há dois mundos, mental e material, mas apenas um, que pode ser visto alternativamente como mental ou material, dependendo de como o construímos a partir de componentes elementares que não são nem mentais nem materiais — por isso são chamados de “neutros”. Russell escolheu dados sensoriais elementares como materiais básicos de construção. Por exemplo, a mesa sobre a qual escrevo é um conjunto de dados: cor, forma, dureza e assim por diante. Minha mente contemplativa também é outro conjunto, mas de dados diferentes, ou seja, composto de todos os dados sensoriais que constituem o material de minha biografia pessoal.

A doutrina do monismo neutro é um esforço barroco e espetacular, embora de sucesso duvidoso. Pode-se perguntar: por que Russell escolheu os dados sensoriais como os materiais de construção elementares da realidade? Será que ele escolheu logicamente de acordo com a nova lógica que supostamente seria “a essência da filosofia”? Se havia algo “neutro” nessa situação emaranhada, era a própria técnica lógica situada entre duas visões rivais da experiência. Assim, Russell reconheceu sua dívida para com Whitehead com relação a essa técnica, enquanto nas mãos de Whitehead essa mesma técnica produziu uma filosofia totalmente diferente. E isso aconteceu porque os dois homens partiram de visões completamente diferentes da experiência. Para Russell, a experiência chega até nós fragmentada em átomos separados; para Whitehead, cada percepção sensorial constitui uma revelação imediata do mundo, na qual todos os detalhes de fundo entram, embora com graus variados de relevância. Russell chegou à ideia de dados sensoriais como os materiais básicos de construção do mundo por meio de um processo de pensamento — ou falta de pensamento, como dizem seus críticos — que não foi derivado de forma alguma da lógica matemática. Sua escolha desses elementos originou-se de uma maneira particular de apreender e elaborar a experiência — de uma fenomenologia peculiar, para usar o termo de outra escola — que antecedeu a aplicação da técnica.

Em 1948, com a publicação de Human Knowledge, Russell finalmente completou o círculo e declarou que a lógica não faz parte da filosofia! Ele havia lido o que estava escrito na parede: para os matemáticos, a lógica matemática havia se transformado em uma área específica e volumosa de pesquisa, que se transformou em uma disciplina muito especial dentro da própria matemática. Ela deixou de ser a characteristica universalis, aquela linguagem universal e global com a qual Leibniz havia sonhado como uma possível chave para todo o conhecimento. De 1914 a 1948 — em um terço de século — a lógica deixou de ser o centro da filosofia para não fazer parte dela. Se essa conclusão estivesse correta, a filosofia estaria em um estado tal como se o Principia Mathematica nunca tivesse sido escrito, e devemos isso também a Russell, porque durante esse período nenhuma de suas posições filosóficas básicas foi derivada dessa técnica específica da lógica.