ANNE FAGOT-LARGEAULT — A SOCIOLOGIA DA CIÊNCIA DE BRUNO LATOUR

Excertos de Daniel Andler, Anne Fagot-Largeault e Bertrand Saint-Sernin, Filosofia da Ciência"

A sociologia da ciência, em primeiro lugar, não é nem uma sociologia dos especialistas — dos meios científicos, dos costumes de laboratórios nem uma análise das escórias da ciência — teorias falsas, experiências fracassadas, ideologias ultrapassadas —: "[...] é a verdade que interessa antes de tudo à sociologia da ciência, as teorias vitoriosas, os fatos comprovados" (SA, p. 14).

Em segundo lugar, a sociologia da ciência não reduz a verdade ao consenso das opiniões — assim como tendem a fazê-lo historiadores da ciência, como Kuhn, ou cientistas que se tornaram filósofos, como Michael Polanyi —; ela se interessa pelas práticas reais que ocorrem na comunidade científica — notemos que, na passagem citada, "realismo" não deve ser entendido no sentido filosófico (como na oposição realismo/idealismo), mas no sentido comum:

[su_quote]"E, ao contrário, de realismo que é preciso falar para dar conta da multiplicidade dos objetos, dos lugares, dos instrumentos, das situações, dos acontecimentos cujo conjunto contribui para a manifestação da verdade. Sim, de fato, realista em comparação com a visão irrealista que davam da prática científica aqueles que dela falavam de sua poltrona." (SA, p. 15)[/su_quote]

Em terceiro lugar, se a sociologia da ciência é acusada de relativismo, melhor ainda! Relativizar é a melhor vacina contra o dogmatismo, o conformismo, o etnocentrismo. Notemos que Latour fala aqui (sem dizê-lo) de relativismo brando: ele sabe muito bem que um sociólogo da ciência não poderia professar um relativismo epistemológico forte sem cair na contradição cética e arruinar sua própria posição — se todas as verdades se equivalem, a do sociólogo não vale mais do que as outras.

Enfim, argumenta Latour, os epistemólogos suportam mal que os sociólogos descrevam a ciência como uma prática social: mas dessa particularidade os sociólogos podem se orgulhar, pois é verdade. A ciência é uma prática coletiva. Não há pesquisa solitária:

[su_quote]"Sempre tentam se livrar da sociologia da ciência afirmando que ela ignora a "dimensão cognitiva". Ora, pelo interesse que ela tem pelos objetos e pela construção da verdade, ela se liga primeiramente ao trabalho intelectual, mas o redefine de tal modo que os epistemólogos não reconhecem mais nele sua cria. No lugar das ideias, dos pensamentos e dos espíritos científicos, encontramos práticas, corpos, lugares, grupos, instrumentos, objetos, nós, redes. Como as ciências cognitivas, com as quais ela encontra inúmeros pontos comuns, a sociologia da ciência transformou o pensamento em uma prática coletiva, distribuída e situada." (SA, p. 14)[/su_quote]

E Latour conclui: "A sociedade faz bem às ciências"...

[su_quote]"[...] acrescentar o termo social ao termo científico não é um pecado nem um crime nem uma queda. E uma elevação. Uma ciência se porta tanto melhor, ela é tanto mais sólida, rigorosa, objetiva, verídica, quanto mais se une, quanto mais intimamente se liga ao resto do coletivo. Somente essa inversão de perspectiva permite verdadeiramente fazer justiça à sociologia da ciência que se vem desenvolvendo há vinte anos." (SA, p. 17)[/su_quote]

A respeito da constatação de que a ciência é uma prática social, estaremos aqui inteiramente de acordo com o sociólogo da ciência. Mas só podemos nos declarar insatisfeitos com a facilidade com que ele pensa poder distinguir, como sociólogo observador do trabalho científico, entre trabalho bom e ruim, fato comprovado e fato duvidoso, teoria conjuntural e teoria validada, sobretudo após se ter convindo que a comunidade dos sociólogos da ciência tem muitas dificuldades para acordar-se sobre seus critérios de cientificidade. A continuação deste capítulo deixa o ponto de vista descritivo para abordar o problema da validação dos critérios.