KASTRUP (2014) – ABORDANDO O PROBLEMA MENTE-CORPO

KASTRUP, Bernardo. Why materialism is baloney: how true skeptics know there is no death and fathom answers to life, the universe and everything. 1. publ ed. Winchester: Iff Books, 2014.

Premissas fundamentais do materialismo e a identidade mente-cérebro

  • A suposição central que sustenta o materialismo reside na concepção de que a totalidade da mente e do mundo da experiência subjetiva interior não possui realidade ontológica própria, sendo integralmente explicável pelo cérebro físico e pelos processos eletroquímicos que nele se desenrolam. Esta premissa manifesta-se em duas vertentes principais que, para fins práticos, são idênticas: a primeira, defendida por figuras como o filósofo Daniel Dennett, postula que a experiência subjetiva é, literalmente, os processos eletroquímicos, reduzindo a consciência a uma ilusão; a segunda, adotada pelo neurocientista Christof Koch, admite uma distinção sutil, mas defende uma correspondência biunívoca onde os processos físicos causam e determinam inteiramente a consciência, implicando necessariamente que a cessação da vida biológica acarreta o fim da existência consciente.

  • A investigação sobre o problema mente-corpo exige uma compreensão preliminar da neurofisiologia, na qual o cérebro é descrito como uma vasta rede composta por neurônios e células gliais, sendo os primeiros responsáveis pelo processamento de informações através de uma arquitetura que inclui o corpo celular, dendritos ramificados e um axônio que se estende para conectar-se a outros neurônios em junções denominadas sinapses. O funcionamento desta rede opera através de processos eletroquímicos, onde cargas elétricas geradas no corpo do neurônio disparam a liberação de neurotransmissores na fenda sináptica, substâncias estas que podem exercer influências excitatórias ou inibitórias nos neurônios adjacentes, constituindo a base física da atividade cerebral mensurável.

A falácia da causalidade e as insuficiências explicativas da neurociência atual

  • A existência de uma correlação inegável entre estados cerebrais e experiências subjetivas, evidenciada pelas alterações cognitivas provocadas por intoxicação alcoólica, traumas físicos ou estimulação magnética transcraniana, não autoriza logicamente a conclusão de que o cérebro causa a mente. Assumir tal causalidade constitui a falácia lógica cum hoc ergo propter hoc (com isto, logo por causa disto), análoga a supor que a presença de bombeiros causa incêndios ou que os circuitos de um rádio sintetizam as vozes da transmissão; permanece aberta, portanto, a possibilidade lógica de que a correlação observe uma dinâmica distinta da causalidade produtiva postulada pelo materialismo.

  • O paradigma materialista enfrenta um obstáculo epistemológico significativo na sua incapacidade de fornecer um mapeamento consistente, biunívoco e proporcional entre os parâmetros mensuráveis dos processos neurais e as qualidades da experiência subjetiva. Observações empíricas, como as apontadas por Giulio Tononi, revelam contradições onde a ativação dos mesmos neurônios corticais correlaciona-se com a consciência em certos momentos e não em outros, desafiando a premissa de identidade entre o processo físico e o fenômeno subjetivo.

  • A tentativa de contornar a falta de proporcionalidade através do conceito de especificidade — a ideia de que subconjuntos específicos de neurônios, independentemente da quantidade ou intensidade de disparo, correspondem a experiências complexas — resulta em incoerências teóricas, como a sugestão de que atividades neurais indetectáveis poderiam sustentar vidas oníricas complexas em experiências de quase-morte. Tal proposição é refutada por especialistas como Sam Parnia, que apontam a impossibilidade de atividade elétrica sem fluxo sanguíneo, e contradiz o custo metabólico evolutivo de possuir grandes cérebros se apenas uma fração mínima de atividade fosse necessária para a consciência complexa.

  • A atual ausência de consenso sobre o substrato físico da consciência permite que a ignorância seja utilizada como defesa do materialismo, gerando uma situação onde diferentes mapeamentos hipotéticos são postulados ad hoc para explicar anomalias, tornando a neurociência da consciência infalsificável segundo críticos como Michael Shermer. A impossibilidade de deduzir logicamente as propriedades da experiência subjetiva (qualia) a partir de propriedades físicas como massa, spin ou carga impede a validação intuitiva de qualquer teoria materialista proposta.

Crítica à Teoria da Integração da Informação (IIT) de Tononi

  • A Teoria da Integração da Informação de Giulio Tononi, frequentemente citada como a melhor explicação materialista disponível, falha em fornecer um modelo causal explicativo, limitando-se a oferecer um indicador heurístico (a variável Phi) que sinaliza a presença de consciência sem elucidar sua origem ou natureza. Ao postular que um processo neural se torna consciente subitamente ao ultrapassar um limiar de integração de informação, a teoria recorre a um salto "mágico" descontínuo em vez de demonstrar uma derivação causal.

  • Estabelece-se uma distinção categórica entre indicadores heurísticos e explicações causais através da analogia com o velocímetro de um carro: a agulha do velocímetro indica movimento (assim como Phi indica consciência), mas não explica a mecânica do motor de combustão interna que gera tal movimento. Diferentemente do ciclo de Krebs na biologia, que oferece uma cadeia causal completa e dedutível para a produção de energia celular, a teoria de Tononi não permite deduzir as propriedades da experiência subjetiva a partir da fisiologia neural, permanecendo muda sobre como e por que a integração de informação é acompanhada por interioridade.

A Hipótese do Filtro e a consciência como primitivo ontológico

  • Como alternativa à estagnação materialista, propõe-se a hipótese de que a consciência é um primitivo ontológico irredutível e fundamental, uma premissa sustentada por evidências físicas publicadas na revista Nature em 2007 que sugerem a impossibilidade de explicar a realidade independentemente da apreensão subjetiva. Nesta concepção, a consciência não é uma propriedade emergente da matéria, nem um atributo panpsiquista de partículas, mas a base primária da existência, contornando assim o "problema difícil" que surge apenas da tentativa de redução do mental ao físico.

  • Sob esta nova ótica, a função do cérebro é reinterpretada não como geradora de consciência, mas como um mecanismo de localização e modulação que "filtra" uma consciência transpessoal e ilimitada, restringindo-a à perspectiva espaço-temporal do corpo físico. Esta hipótese, alinhada às propostas de Henri Bergson, utiliza a analogia do rádio receptor: as oscilações nos circuitos do aparelho correlacionam-se com o som emitido porque selecionam uma frequência específica de um vasto espectro de ondas pré-existentes, e não porque geram o sinal de transmissão.

  • A hipótese do filtro reconcilia as correlações observadas entre estados mentais e cerebrais com a primazia da consciência: perturbações físicas ou químicas no cérebro alteram a experiência subjetiva não por danificarem o gerador da mente, mas por interferirem no mecanismo de sintonia e filtragem, resultando em distorções perceptivas análogas ao ruído produzido por um rádio mal sintonizado.

Predições teóricas: O Inconsciente Coletivo e a deslocalização da mente

  • A hipótese do filtro prediz que a consciência, em seu estado não filtrado, é unitária e não individualizada, sendo a formação de egos distintos uma consequência do processo de localização que exclui a vasta maioria das experiências potenciais. O conteúdo excluído constitui um "inconsciente coletivo" compartilhado, um repositório de experiências potenciais que transcende predisposições genéticas e que pode penetrar na consciência individual quando os mecanismos de filtragem são alterados.

  • Evidências empíricas para o inconsciente coletivo são exemplificadas pelas observações clínicas de Carl Jung, notadamente o caso de um paciente psicótico que descreveu uma alucinação envolvendo um tubo pendendo do sol que originava o vento. A posterior descoberta e tradução de uma liturgia mitraica da Grécia antiga, desconhecida pelo paciente, contendo a descrição exata da mesma imagem simbólica, sugere o acesso a um estrato mental transpessoal e compartilhado, inexplicável pelo materialismo ou genética.

  • Uma segunda predição fundamental da hipótese do filtro é que a desativação parcial ou temporária dos processos cerebrais — ou seja, o comprometimento do mecanismo redutor — deve permitir a expansão da consciência para estados transpessoais e não locais. Isso contraria diametralmente a expectativa materialista de que a redução da atividade cerebral deveria resultar necessariamente na diminuição ou cessação da experiência consciente.

O padrão amplo de evidências empíricas para a expansão da consciência via redução cerebral

  • Existe um padrão empírico robusto associando experiências transpessoais intensas à redução da atividade cerebral, iniciado pela observação de práticas de asfixia (jogo do desmaio e asfixia erótica) que, ao restringirem o fluxo sanguíneo cerebral, induzem estados lúcidos e semi-alucinógenos de grande intensidade.

  • Pilotos submetidos a forças G extremas (G-LOC), que forçam o sangue para fora do cérebro reduzindo drasticamente sua atividade, relatam experiências fenomenológicas semelhantes às Experiências de Quase-Morte (EQM), sugerindo que a hipóxia cerebral libera a consciência das restrições habituais em vez de simplesmente apagá-la.

  • Técnicas de hiperventilação, utilizadas tanto em práticas tradicionais de ioga quanto na Respiração Holotrópica, operam fisiologicamente através da constrição dos vasos sanguíneos cerebrais (devido ao aumento da alcalinidade sanguínea e hipóxia), resultando em dissociações e experiências transpessoais profundas, o que corrobora a tese de que o comprometimento funcional do cérebro facilita o acesso a estados expandidos.

  • Estudos recentes com substâncias psicodélicas refutam a suposição de que tais drogas excitam o cérebro; pesquisas demonstraram que a administração de psicodélicos causa apenas reduções no fluxo sanguíneo cerebral, não havendo aumento de atividade em nenhuma região. Mais significativamente, observou-se que a magnitude da redução da atividade cerebral prediz a intensidade dos efeitos subjetivos, uma correlação inversa que valida precisamente a predição da hipótese do filtro.

  • A inibição localizada de áreas cerebrais através de Estimulação Magnética Transcraniana (TMS), especificamente no giro angular, foi capaz de induzir Experiências Fora do Corpo (OBEs), demonstrando que a supressão da função neural normal em regiões específicas pode desencadear percepções de deslocalização da consciência.

  • Danos cerebrais físicos, longe de apenas eliminarem funções, podem induzir estados de autotranscendência, conforme evidenciado pelo caso da neuroanatomista Jill Bolte Taylor após um derrame, e por estudos estatísticos com pacientes submetidos à remoção de tumores cerebrais que relataram aumento significativo em sentimentos de transcendência após a cirurgia.

  • A Síndrome do Savant Adquirido documenta o surgimento de habilidades intelectuais ou artísticas de nível genial e memória prodigiosa após traumas cerebrais (como raios, aneurismas ou balas) ou demência. Casos como os de Anthony Cicoria, Tommy McHugh e Orlando Serrell sugerem que tais habilidades são latentes em todos os indivíduos, mas ativamente suprimidas pela função filtrante do cérebro normal, sendo liberadas apenas quando o dano compromete essa inibição.

  • Pesquisas com médiuns brasileiros durante a prática de psicografia revelaram que a produção de textos de maior complexidade ocorria concomitantemente com uma redução marcada da atividade nos lobos frontais e no hipocampo, contrariando a expectativa neurológica de que tarefas cognitivas mais complexas exigiriam maior ativação metabólica, e apoiando a tese de que o transe mediúnico envolve um "sair da frente" da atividade cerebral ordinária.

  • As Experiências de Quase-Morte (EQM) constituem o exemplo definitivo de consciência expandida, estruturada e hiper-real ocorrendo em condições de atividade cerebral praticamente nula ou fluxo sanguíneo cessado. A complexidade e coerência narrativa dessas experiências, ocorrendo em cérebros funcionalmente inoperantes, desafiam a capacidade explicativa do materialismo e alinham-se à visão de que a consciência persiste quando o filtro biológico é removido.

  • Práticas iniciáticas ancestrais e rituais de privação sensorial, que envolviam o isolamento em cavernas escuras ou provações físicas extremas (calvários, envenenamento, exaustão), buscavam o acesso a insights transcendentes através de meios que, fisiologicamente, correspondem à deterioração ou redução temporária da função cerebral, alinhando a sabedoria tradicional com o mecanismo proposto pela hipótese do filtro.

Refutação da objeção materialista baseada na desinibição

  • A objeção materialista padrão, que tenta explicar as experiências transpessoais decorrentes da redução de atividade cerebral como um efeito de "desinibição" (onde a redução de processos inibitórios levaria a um aumento líquido da excitação em outras áreas), é considerada insustentável diante da natureza global das reduções observadas. Em casos de estrangulamento, parada cardíaca, força G ou hiperventilação, a restrição de fluxo sanguíneo e oxigênio afeta o cérebro em sua totalidade, tornando implausível a ideia de que processos excitatórios seriam seletivamente preservados e energizados enquanto apenas os inibitórios falhariam.

  • O estudo com psicodélicos oferece a refutação empírica definitiva para o argumento da desinibição excitatória, uma vez que os pesquisadores não mediram qualquer aumento de atividade em nenhuma região do cérebro, mas apenas reduções generalizadas. A ausência de qualquer correlato neural de atividade aumentada para explicar a riqueza das visões psicodélicas deixa a hipótese do filtro como a explicação mais parcimoniosa e coerente com os dados observados.