KASTRUP (2020) – CONFUNDINDO ABSTRAÇÃO COM OBSERVAÇÃO EMPÍRICA

KASTRUP, Bernardo. The Idea of the World: A Multi-Disciplinary Argument for the Mental Nature of Reality. 1st ed ed. New York: John Hunt Publishing Limited, 2019.

  • Persistência histórica da dicotomia mente–matéria e suas implicações epistemológicas na tradição filosófica ocidental.

Análise da suposição amplamente aceita de que mente e matéria são conceitos mutuamente excludentes e conjuntamente exaustivos, originada no dualismo cartesiano e consolidada por Kant, segundo a qual toda realidade é ou mental ou física.

  • Identificação da sobrevivência dessa dicotomia em formulações modernas, como o dualismo de propriedades de Chalmers, e na aceitação pública de que mente e matéria constituem “metades equivalentes da realidade”, reforçando uma falsa simetria epistemológica.

  • Constatação de que a filosofia, reconhecendo a parcimônia como critério explicativo, historicamente buscou reduzir um polo da dicotomia ao outro: o idealismo reduz a matéria à mente, e o fisicalismo tenta reduzir a mente à matéria.

  • Argumento central de que a crença na equivalência epistemológica entre mente e matéria distorce o valor explicativo de cada posição, subestimando o idealismo e superestimando o fisicalismo, pois a matéria nunca é conhecida com a mesma certeza que a mente.

  • Rejeição da simetria epistemológica e crítica à confusão entre abstração explicativa e fato observável.

Defesa de que a matéria objetiva é apenas uma hipótese explicativa derivada de padrões de experiência, e não um fato empírico diretamente observável, o que implica um custo epistemológico ignorado pela cultura científica contemporânea.

  • Exposição do problema conceitual do pancomputacionalismo ontológico, que, ao postular informação não fundamentada como princípio último da realidade, demonstra o absurdo de substituir a concreção da experiência por abstrações matemáticas sem referente.

  • Argumentação de que a informação, como diferença de estados discerníveis, exige sempre um substrato mental ou material para existir, sendo incoerente concebê-la como entidade independente.

  • Conclusão de que qualquer ontologia fundada em abstrações sem base experiencial — como números, equações ou conceitos indeterminados — carece de significado ontológico e reduz-se a um jogo de linguagem vazio.

  • Custo epistemológico da abstração e o primado da experiência consciente como critério de realidade.

Demonstração de que cada nível de abstração científica ou filosófica representa um afastamento progressivo da concretude fenomenal da experiência, o único domínio ontologicamente certo.

  • Afirmação de que, embora abstrações teóricas possam ser úteis para descrever regularidades empíricas, sua validade ontológica é decrescente conforme se distanciam da percepção direta.

  • Utilização da antirrealidade científica e de exemplos como a ilusão do tabuleiro de xadrez de Adelson para mostrar que apenas a experiência consciente — e não os modelos formais — permite distinguir o real do ilusório.

  • Definição de que as entidades teóricas, como partículas subatômicas e campos invisíveis, são “ficções convenientes” cuja existência nunca é conhecida com a mesma certeza que a experiência perceptiva.

  • Hierarquia dos níveis de abstração explicativa e a redução da concretude fenomenal na construção teórica da matéria.

Esclarecimento de que o mundo material é uma inferência teórica baseada na regularidade dos fenômenos perceptivos, e não uma realidade empírica independente da mente.

  • Descrição dos dois níveis principais de abstração: o primeiro, em que se postula um mundo não mental isomórfico à percepção, e o segundo, em que se atribuem a esse mundo propriedades abstratas como massa, carga e spin.

  • Análise fenomenológica de que tais propriedades são conceitos explicativos sem correspondência direta com qualidades perceptivas — não se vê a carga elétrica, sente-se apenas a atração ou repulsão.

  • Conclusão de que, ao abandonar a concretude da experiência em favor de abstrações teóricas, a ciência corre o risco de confundir modelos mentais com a realidade que pretende descrever.

  • Dissolução da falsa dicotomia mente–matéria e definição do conceito de simetria epistemológica.

Introdução do conceito de simetria epistemológica, segundo o qual membros de uma dicotomia legítima devem residir no mesmo nível de abstração, de modo que o conhecimento de um implique o conhecimento do outro.

  • Demonstração de que mente e matéria não são epistemicamente simétricas, pois a mente é o dado imediato e fundante de toda experiência, enquanto a matéria é uma abstração inferida a partir da experiência mental.

  • Comparação ilustrativa segundo a qual afirmar uma dicotomia entre mente e matéria equivale a confundir “as ondas e a água”, esquecendo que a matéria é um modo de excitação da própria mente.

  • Afirmação de que o chamado “problema difícil da consciência” surge precisamente da tentativa paradoxal de reduzir o sujeito da experiência às suas próprias abstrações conceituais.

  • Superação do “problema difícil” e reabilitação do idealismo como ontologia epistemicamente mais parcimoniosa.

Argumentação de que, ao reconhecer a mente como ontologicamente primária, elimina-se a necessidade de reduzir a experiência a abstrações, dissolvendo assim o problema da consciência em sua origem.

  • Descrição de formas contemporâneas de idealismo — como o cosmopsiquismo e o construtivismo radical — que reinterpretam a realidade como fenômeno essencialmente mental e experiencial.

  • Reconhecimento de que o argumento epistemológico apresentado, embora favorável ao idealismo, não o demonstra ontologicamente, limitando-se a expor o custo cognitivo das ontologias baseadas em abstrações não experienciadas.

  • Conclusão de que, se o idealismo puder explicar os fenômenos com igual poder descritivo e preditivo, sua vantagem epistemológica o torna mais plausível que o fisicalismo, por dispensar hipóteses inflacionárias e logicamente paradoxais.

  • Conclusão geral sobre a falácia linguística da dicotomia e a necessidade de distinguir fato experiencial de inferência abstrata.

Síntese da tese de que a dicotomia mente–matéria é um artefato linguístico sem correspondência ontológica, pois seus supostos polos não partilham o mesmo status epistemológico.

  • Afirmação de que o desconhecimento da diferença entre abstração explicativa e fato observável leva à proliferação de sistemas conceituais infundados e à confusão entre modelo e realidade.

  • Proposição de que a filosofia e a ciência devem reconhecer a primazia da experiência consciente como base de toda certeza, mantendo o valor instrumental dos modelos sem convertê-los em ontologias.

  • Conclusão final de que, ao abandonar o erro categorial que confunde abstração com existência, libertamo-nos de paradoxos como o “problema difícil da consciência” e abrimos caminho para uma compreensão mais direta e coerente do ser e do mundo.