KASTRUP (2021) – POR QUE O MATERIALISMO É UM BECO SEM SAÍDA

KASTRUP, Bernardo. Science Ideated: The Fall of Matter and the Contours of the Next Mainstream Scientific Worldview. 1st ed ed. Lanham: John Hunt Publishing Limited, 2021.

A distinção metodológica entre ciência e metafísica

  • A era contemporânea é definida pelo primado da ciência, cuja metodologia permitiu avanços tecnológicos inimagináveis ao formular perguntas diretamente à natureza através de experimentos, diferindo da filosofia que depende parcialmente de valores subjetivos e do senso de plausibilidade para resolver questões; contudo, essa dependência experimental constitui simultaneamente a força e o calcanhar de Aquiles da ciência, pois os experimentos revelam apenas o comportamento da natureza e não a sua essência intrínseca.

Várias hipóteses distintas sobre a essência da realidade podem ser consistentes com os mesmos comportamentos manifestos, o que implica que a compreensão do que a natureza é fundamentalmente — o domínio da metafísica — escapa ao alcance do método científico estrito, restando aos métodos filosóficos, ainda que subjetivos, a tarefa de investigar o que realmente ocorre nos bastidores da realidade observável.

  • O materialismo considerado científico, que postula a natureza como sendo constituída fundamentalmente por matéria externa e independente da mente, é em si mesmo uma inferência metafísica e teórica sobre o ser, e não um fato empírico, dado que é impossível observar a matéria fora da mente; o ser humano encontra-se perpetuamente confinado aos estados mentais, e mesmo a leitura de instrumentos de medição só é acessível enquanto conteúdo da percepção mental.

As bases inferenciais do materialismo e suas falhas explicativas

  • A inferência da existência de um mundo material autônomo surge da tentativa de explicar três observações canônicas: a percepção de um mundo compartilhado entre diferentes observadores, a independência do comportamento desse mundo em relação à volição pessoal e as estreitas correlações observadas entre a experiência interna e a atividade cerebral mensurável, levando a cultura a assumir como certa a natureza material e não mental da realidade.

  • Tal inferência materialista revela-se insustentável devido à inexistência de parâmetros nos arranjos materiais — como posição e momento dos átomos — que permitam deduzir, mesmo em princípio, qualidades experienciais como a sensação de apaixonar-se ou o sabor do vinho, configurando um abismo explicativo intransponível entre quantidades físicas e qualidades subjetivas, denominado por Chalmers (2003) como o problema difícil da consciência.

Muitas pessoas falham em reconhecer esse abismo por erroneamente atribuírem à matéria qualidades intrínsecas como cor e sabor, o que contradiz o próprio materialismo científico, segundo o qual tais qualidades são geradas internamente pelo cérebro e não existem no mundo exterior supostamente abstrato.

  • A validade do materialismo depende do realismo físico — a existência de um mundo objetivo com propriedades definidas independentemente da observação —, tese que foi refutada por experimentos físicos nas últimas quatro décadas (conforme discutido nos capítulos 16, 17, 20 e 21 deste livro), tornando o materialismo fisicamente insustentável a menos que se recorra a redefinições arbitrárias do termo.

Contradições empíricas e violação da parcimônia

  • Evidências empíricas acumuladas indicam um padrão consistente onde o comprometimento ou a redução do metabolismo cerebral estão associados a uma expansão da consciência e a um enriquecimento da intensidade e conteúdo experiencial (conforme abordado no Capítulo 25 deste livro), um fenômeno dificilmente conciliável com a hipótese materialista de que a experiência é gerada pela atividade metabólica do cérebro.

  • Do ponto de vista filosófico, o materialismo é criticado por ser não parcimonioso e possivelmente incoerente, pois postula uma categoria de existência — a matéria — que transcende a verificação empírica direta e é mais inacessível que os mundos espirituais religiosos, violando princípios de economia conceitual necessários para evitar a aceitação de hipóteses absurdas e infalsificáveis.

A postulação de algo externo às mentes pessoais para explicar o mundo compartilhado não exige a criação de uma categoria não mental; as observações canônicas podem ser explicadas postulando-se um campo de mentação transpessoal (conforme a Parte IV deste livro), onde a percepção é a modulação de um conjunto de qualidades pessoais por outro conjunto de qualidades transpessoais, mantendo tudo dentro da categoria do mental e contornando o problema difícil da consciência.

A incoerência lógica e a parasitação cultural do materialismo

  • O materialismo é arguivelmente incoerente ao tentar reduzir a mente à matéria, visto que a matéria é uma abstração teórica concebida dentro e pela mente, o que torna essa tentativa análoga a um cão perseguindo a própria cauda ou a um pintor que, após pintar um autorretrato, declara ser ele próprio a pintura, tentando explicar sua vida consciente em termos da distribuição de pigmentos na tela (Kastrup 2018b).

  • A prevalência do materialismo na cultura deve-se a uma confusão histórica que o associa ao sucesso da ciência e da tecnologia, embora esse sucesso derive da capacidade de modelar e prever o comportamento da natureza e não de compromissos metafísicos; o materialismo atua como um carona ilegítimo ou parasita (Kastrup 2016d) que se aproveita da psicologia dos cientistas para oferecer uma narrativa interna reconfortante e simplista sobre a natureza da realidade.

  • No século XXI, torna-se imperativo examinar honestamente as premissas ocultas e reconhecer que o materialismo é uma relíquia de uma era menos sofisticada, sendo necessário abraçar alternativas mais coerentes e parcimoniosas, fundamentadas em estados mentais (Kastrup 2019, 2020), que acomodam melhor as evidências disponíveis e cuja base teórica é conhecida há séculos.