KASTRUP (2024) – IDEALISMO ANALÍTICO

KASTRUP, Bernardo. Analytic idealism in a nutshell: a straightforward summary of the 21st century’s only plausible metaphysics. London, UK Washington, DC, USA: iff Books, 2024.

A natureza da realidade e os limites do método científico

  • A investigação acerca da natureza fundamental da realidade, ou seja, se o mundo é constituído por massa e carga, por padrões matemáticos abstratos ou por qualidades experienciais mentais, exige o reconhecimento de que tais questões ontológicas não podem ser definitivamente respondidas apenas pela ciência, uma vez que o método científico se restringe a responder questões de comportamento da natureza e não de sua essência intrínseca.

  • A ciência baseia-se na experimentação empírica controlada, um processo que interroga a natureza e observa suas reações, sendo estas reações comportamentos que, embora permitam prever ações futuras, não revelam univocamente o que a natureza é em si mesma, visto que diferentes hipóteses sobre a essência da realidade podem ser igualmente consistentes com os comportamentos observados.

  • A argumentação aqui desenvolvida, embora informada pela ciência na medida em que observações empíricas permitem descartar hipóteses inconsistentes, utiliza primordialmente os métodos da filosofia, especificamente da metafísica, aplicando diretrizes de verdade como a parcimônia conceitual, a consistência lógica interna, a coerência global e o poder explicativo para classificar e determinar a hipótese mais provável sobre o ser.

Definição e premissas do Idealismo Analítico

  • O Idealismo Analítico reconhece a existência de um mundo externo independente das mentes individuais, o qual se desdobra espontaneamente segundo suas próprias disposições inerentes gerando regularidades comportamentais denominadas leis da natureza, sendo estas passíveis de reconhecimento e modelagem pela razão humana, permitindo ainda que fenômenos complexos sejam explicados em termos de fenômenos mais simples.

Esta perspectiva abarca o realismo, ao afirmar a independência do mundo externo em relação à observação ou volição humana; o naturalismo, ao negar intervenções divinas externas à natureza; o racionalismo, ao confiar na capacidade da razão humana de modelar a natureza; e o reducionismo, ao explicar o complexo pelo simples.

  • A essência ontológica do mundo externo é postulada como sendo do mesmo tipo que as mentes individuais, ou seja, mental e experiencial, embora não constituída pelos pensamentos ou emoções pessoais dos indivíduos, mantendo-se objetiva do ponto de vista do observador humano mas subjetiva e experiencial de sua própria perspectiva intrínseca.

Estabelece-se uma analogia na qual os pensamentos de um indivíduo são mentais e subjetivos para ele, mas externos e objetivos para outro indivíduo, sugerindo que o mundo físico é essencialmente transessoal e mental, existindo independentemente da presença de observadores individuais, mas mantendo uma natureza qualitativa e experiencial.

Contraste entre Idealismo Analítico e Fisicalismo

  • O Idealismo Analítico distingue-se fundamentalmente do fisicalismo predominante no século XXI, pois enquanto o fisicalismo postula que a realidade é estritamente física e exaustivamente caracterizável por quantidades e relações matemáticas, o idealismo defende que a natureza é constituída por qualidades sentidas que não podem ser capturadas apenas por descrições quantitativas.

A insuficiência do fisicalismo é evidenciada pela impossibilidade de caracterizar exaustivamente estados experienciais, como a sensação de apaixonar-se, através de listas de números e equações, visto que tais estados possuem qualidades intrínsecas que só podem ser conhecidas através do conhecimento direto e qualitativo, e não por abstrações quantitativas.

A tecnologia como ficção empiricamente conveniente

  • A eficácia tecnológica e o progresso científico da civilização contemporânea não implicam necessariamente na correção de sua compreensão metafísica sobre a essência da realidade, pois a tecnologia requer apenas ficções empiricamente convenientes que permitam a manipulação dos fenômenos, e não verdades últimas sobre o que constitui esses fenômenos.

Ilustra-se esta distinção com a analogia de uma criança que domina um jogo de computador baseando-se em ficções úteis sobre os elementos do jogo, sem qualquer conhecimento sobre o hardware ou software subjacentes que constituem a realidade do sistema, demonstrando que o sucesso operacional é independente da compreensão ontológica.

  • Exemplos históricos na ciência demonstram que ficções convenientes, ainda que metafisicamente falsas, sustentam avanços tecnológicos, como a utilização da mecânica newtoniana para missões espaciais, apesar da relatividade geral ter revelado que a gravidade não é uma força mas uma curvatura do espaço-tempo, ou o uso de conceitos em engenharia que são aproximações úteis mas não verdades fundamentais.

A evolução cognitiva humana, ocorrendo em um período relativamente curto em escala geológica, não equipou a espécie com a capacidade de compreender intuitivamente todos os aspectos da realidade, tornando a certeza sobre verdades últimas inalcançável, restando a capacidade de identificar e corrigir erros lógicos e empíricos nas hipóteses vigentes para torná-las menos erradas ao longo do tempo.

Origens históricas e sociopolíticas do Fisicalismo

  • A predominância do fisicalismo não deriva de sua plausibilidade lógica ou empírica, mas de sua utilidade histórica como ferramenta política durante o Iluminismo para proteger a nascente ciência da interferência da Igreja, ao postular um domínio físico distinto do espírito ou psyche, permitindo aos cientistas operar sem as ameaças que vitimaram figuras como Giordano Bruno.

Denis Diderot, em citação mencionada por Will Durant na obra The Story of Philosophy, reconheceu que o materialismo era provavelmente falso e que a matéria possuía vida instintiva, mas que tal posição deveria ser usada como uma arma contra a Igreja até que uma melhor fosse encontrada, evidenciando a consciência da natureza política do fisicalismo desde sua origem.

  • A consolidação do fisicalismo foi reforçada pela Revolução Industrial e pela ascensão da burguesia, onde a separação entre o físico e o mental justificava o domínio intelectual sobre o clero e fornecia um distanciamento psicológico conveniente para a objetividade científica, embora a clareza original sobre seu caráter de artifício político tenha se perdido no final do século XIX, conforme relatado por Charles Taylor em A Secular Age.

  • O maior atrativo psicológico do fisicalismo reside na eliminação do medo da morte e do julgamento pós-morte, uma vez que, ao reduzir a consciência a um subproduto de arranjos físicos, garante-se a cessação da experiência com a morte do corpo, libertando o indivíduo das angústias metafísicas e responsabilidades morais eternas que caracterizavam a visão de mundo religiosa anterior.

Inconsistências internas e circularidade do Fisicalismo

  • O fisicalismo contemporâneo sustenta-se através de um raciocínio circular que ignora seu maior defeito explicativo, a incapacidade de explicar a consciência fenomenal, tratando-a como um epifenômeno sem poder causal para evitar a necessidade de investigar sua origem, suprimindo assim o único dado pré-teórico da natureza que é a própria experiência.

Esta postura de negligência persistiu até que Thomas Nagel, em 1974, com o artigo What is it like to be a bat?, reintroduziu lentamente a consciência na agenda investigativa, desafiando a confiança cultural no fisicalismo que é mantida mais por inércia social e autoridade acadêmica do que por coerência racional ou evidência empírica.

  • O objetivo do Idealismo Analítico é apresentar uma correção para esses erros metafísicos históricos, oferecendo uma hipótese mais parcimoniosa e plausível que, ao contrário do fisicalismo, não descarta a realidade primária da experiência em favor de abstrações teóricas, buscando alinhar a compreensão da realidade com a lógica interna e a adequação empírica.