UMA REVOLUÇÃO CIENTÍFICA DEPENDE DE UMA MUDANÇA NAS CONCEPÇÕES FILOSÓFICAS

Jorland1981

Mas foi a Meyerson, que ele conhecia bem e com quem, quase todas as semanas, às quintas-feiras da década de 1920, discutia sobre a ciência do passado e do presente, sobre filósofos do passado e do presente e sobre seu próprio trabalho, que ele deveu a integração da história do pensamento científico em sua pesquisa. E se, em 1951, ele pôde escrever que “o misticismo de Boehme é rigorosamente incompreensível sem referência à nova cosmologia criada por Copérnico”, não foi dentro dessa estrutura que ele abordou seu estudo: ele começou acreditando que “para entender Boehme, era necessário interpretá-lo usando a terminologia alquímica”, antes de perceber que estava no caminho errado e que era necessário “ao contrário, fazer um esforço para livrar seu pensamento dessa roupagem emprestada”. Em outras palavras, a descoberta de um autor, Copérnico, tornou necessária a integração da história do pensamento científico. A cosmologia copernicana não fornece uma representação mais econômica e simples do mundo, mas “uma nova imagem do mundo e um novo sentido do Ser”; ela é inseparável de uma metafísica da luz. Consequentemente, a história do pensamento científico não substitui a pesquisa anterior de Koyré, mas é parte integrante dela, porque a ciência é inseparável das ideias “transcientificadas”, religiosas e metafísicas. O pensamento científico, argumenta ele, sempre ocorre dentro de uma estrutura de ideias, princípios e evidências axiomáticas que pertencem à filosofia em seu próprio direito. Portanto, uma revolução científica não é o resultado de uma mutação ou conversão do pensamento, mas é determinada por uma mudança nas concepções filosóficas. Qualquer mudança na representação (científica) do mundo pressupõe uma mudança na ontologia. Essa ontologia pode muito bem ser nada mais do que um andaime rejeitado após o fato, apenas para cair no esquecimento, “na inconsciência de coisas sobre as quais não pensamos mais — como as regras gramaticais que esquecemos quando aprendemos um idioma e que desaparecem de nossa consciência no exato momento em que mais a dominam”[^“De l'influence des conceptions philosophiques sur l'évolution des théories scientifiques”, em Études d'histoire de la pensée philosophique, op. cit., pp. 255-256, pp. 255-256]. Ontologia, portanto, é o conjunto de ideias, princípios e intuições que estruturam o pensamento, que o delimitam e organizam, e que se desvanecem diante de seus resultados, esses conceitos e leis sedimentados em livros didáticos. Questionar a maneira como são produzidos, o trabalho do historiador, equivale a trazer à luz a ontologia implícita e subjacente que lhes deu origem. A ontologia é a gramática do pensamento: é fácil entender por que sua origem não pode ser rastreada e por que ela é axiomática.