Meditação da Técnica
José Ortega y Gasset
Tradução e Prólogo de Luís Washington Vita
Filosoficamente, a técnica surge como obra da inteligência que pretende preordenar e predeterminar abstratamente todas as coisas e reduzir não só o trabalho mas a própria vida a uma regularidade que exclui a novidade e a imprevisto e que substitui a espontaneidade da vida pela ação uniforme de um mecanismo. Em suma, diz Abbagnano, "a técnica orienta o homem para tudo o que é quantidade, massa, extensão, e com isto o vincula à exterioridade da matéria e concentra em tal exterioridade todas as suas energias, impedindo-o de olhar a si mesmo e de responder ao dístico agostiniano do in te ipsum redi. Portanto, pela direção mesma que imprime à vida humana, ela é diretamente contrária ao princípio daquela espiritualidade que é para o homem a verdadeira natureza" (N. Abbagnano, Filosofia, religione, scienza, Torino, 1947, págs. 186-7). Daí V. Egenlhardt estudar, no seu ensaio Weltanschauung und Technik, como se refletem na técnica as diversas tendências da filosofia moderna, constantando a necessidade de "moralizar a técnica" e sustentando que é preciso criar, na esfera psíquica da evolução da técnica, certas correspondentes categorias morais. Porque, diz, "no espírito da técnica se encontram elementos irracionais que, por seu conteúdo, são éticos. A técnica deságua na ética. Esta é a última conseqüência de uma longa série de evoluções" (Apud O. Veit, o.c. págs. 223-4). Por isso pôde afirmar Max Scheler que "a técnica não é, de maneira alguma, tão apenas uma "aplicação" posterior de uma ciência puramente contemplativa e teorética que esteja determinada exclusivamente pela idéia da verdade, da observação, da lógica pura e da matemática pura; mas é antes a vontade de domínio e derivação existente mais forte ou mais fraca em cada caso e dirigida a este ou àquele setor da existência (deuses, almas, sociedade, natureza orgânica e inorgânica, etc.), a qual contribui para determinar não apenas os métodos de pensar e intuir, mas também os fins do pensar científico; contribui para determinar pelas costas da consciência dos indivíduos, digamos assim, pelo que é inteiramente indiferente indagar os mutáveis motivos pessoais destes indivíduos" (Max Scheler, o. c. págs. 98-9). Mas, está claro, o homem não se limita a suprir com sua técnica o deficitário de certas situações, comparadas com outras pretéritas; vai mais longe ao se lançar projetivamente a imaginar situações irreais e leva a cabo certas ações técnicas para obter que estas se realizem; isto é, compara a situação em que se encontra com outra "interior", que ele mesmo "inventou" ou imaginou. Tanto num caso como noutro — esclarece Julián Marías, que estamos resumindo — "a técnica supõe dois momentos conexos e estritamente humanos: um, a suspensão da atividade a que precisamente tende; para poder fazer alguma coisa, o homem se põe a fazer outra coisa, cuja conseqüência será a consecução do fim primordial; a técnica é o fazer mediato por excelência, porque está orientada para os meios como tais; falando com propriedade, o que o homem executa em sua função técnica é isso que em castelhano se chama, com gráfica expressão, hacer un poder; isto é, o que faz o construtor de uma casa ou de um automóvel, o agricultor ou o inventor do telefone. O outro momento é o que poderíamos chamar a entrada em si mesmo; a técnica supõe que o homem exerça uma peculiar atividade, que consiste em desprezar a situação presente para atirar-se aos mundos interiores: a memória, no caso mais simples, a imaginação, nas formas técnicas superiores" (Julián Marías, Introducción a la filosofia, Madrid, 1947, págs. 265-6).