O HOMEM EXPERIMENTA O REAL COMO OBJETO (ARAÚJO DE OLIVEIRA)

MAO1996

Hoje, na modernidade, o homem experimenta o real como objeto, isto é, como o manipulável, o dominável por ele, como aquilo que se pode pôr à disposição do homem. Nesse contexto, a linguagem é reduzida à informação [^Heidegger explicitou essa perspectiva sobretudo por meio do esforço de compreender a técnica como dimensão fundante de nossa epocalidade, numa conferência que ele denomina: “A pergunta pela técnica”, publicada mais tarde: M. Heidegger, “Die Frage nach der Technik”, in: Vorträge und Aufsätze, Parte I, Pfullingen, 13a ed., 1967, pp. 5-36. No entanto, essa explicitação aprofunda uma posição já, de algum modo, trabalhada em Ser e Tempo. Por essa razão a consideramos aqui como introdução à problemática da linguagem no pensamento de Heidegger, antes mesmo de tratarmos explicitamente das considerações de Ser e Tempo.], como processo por meio do qual o homem toma conhecimento dos entes, a fim de poder exercer sobre eles o domínio. Essa concepção, hoje universalmente vigente, é o que, para Heidegger, caracteriza a essência da técnica, que é um modo de desvelar uma fórmula, portanto de ver uma forma de verdade [^M. Heidegger, “Die Frage nach der Technik”, op. cit., p. 12.]. A técnica revela o real em seu caráter de manipulável. Nessa perspectiva, a informação é o modo como a natureza se revela por meio da técnica. Não a natureza como ela é em si mesma, mas a natureza enquanto submetida às perguntas do homem, enquanto relacionada a ele, enquanto manipulável por ele. Nesse sentido, a categoria informação se transforma para Heidegger numa das características da civilização contemporânea [^M. Heidegger, Der Satz vom Grund, Pfullingen, 4a ed., 1971, pp. 58, 203.], pois o que constitui nossa epocal idade é a predominância dessa forma de desvelamento do real: a informação é a mediação do saber necessário à manipulação [^R. Capurro, “Heidegger über Sprache und Information”, in: Phil. Jahrbuch 88 (1981) pp. 333-343.].

Ora, a primazia dessa concepção de linguagem revela-se hoje mais claramente no desenvolvimento do computador [^M. Heidegger, Der Satz vom Grund, op. cit., pp. 202ss.], e a própria essência do homem [^Uma vez que o homem se entende hoje como aquele que exerce um domínio sobre a totalidade da terra e até fora de nosso planeta.], aquilo que o homem é, determina-se hoje a partir da máquina. O problema de nossa epocalidade não é ter descoberto a linguagem como informação, mas, antes, ter absolutizado a dimensão instrumental da linguagem humana: linguagem se reduz a um puro instrumento por meio do qual se entra em contato com os outros. Já que ela é puro instrumento, o ideal é tornar esse instrumental o menos complicado possível e de fácil utilização. Nesse contexto, está a mania atual das simples reduções, abreviações que para Heidegger [^M. Heidegger, Was heißt denken?, Tübingen, 1954, p. 58.] não são coisas inocentes, mas manifestam que fazemos das palavras apenas sinais de designação das coisas com as quais podemos dizer tudo, porque, no fundo, elas não dizem nada.

Isso aponta para um problema muito sério de nosso processo civilizatório, o processo de massificação do homem: os conteúdos mais profundos são afastados da linguagem para facilitar seu manuseio, mas também porque o homem inautêntico não tem mais acesso à profundidade de sua vida. A linguagem tornou-se um fenômeno de superfície que toca apenas a superfície da vida humana. É essa experiência da linguagem enquanto informação que faz com que o homem de hoje perca a abertura para outros tipos de linguagem, como por exemplo a linguagem da poesia, que lhe parece uma linguagem vaga, imprecisa, sem vinculação com a vida.