HEIDEGGER (GA41) – COISA

*Martin Heidegger, «O QUE É UMA COISA?» [GA41]

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Torna-se agora claro que compreendemos a palavra «coisa» num sentido restrito e num sentido lato. Coisa em sentido restrito significa o disponível, o visível, etc., o que está ao alcance da mão (Vorhandenheit). Coisa em sentido lato significa qualquer assunto, qualquer coisa que aconteça, de um modo ou de outro, as coisas que se passam «no mundo», acontecimentos, eventos. Finalmente, há um emprego da palavra em sentido ainda mais lato; foi preparado há muito tempo e generalizou-se, sobretudo, na filosofia do século XVIII. Assim, Kant fala, por exemplo, «de coisa em si» e distinguindo-a, de fato, da «coisa para nós», quer dizer, de fenômeno. Uma coisa em si é aquela que não é acessível para nós homens, através da experiência, tal como uma pedra, uma planta ou um animal. Qualquer coisa para nós é também, enquanto coisa, uma coisa em si, quer dizer, torna-se conhecida de modo absoluto no conhecimento divino absoluto; mas nem toda a coisa em si é uma coisa para nós. Uma coisa em si é, por exemplo, Deus, tomada a palavra, tal como Kant a entende, no sentido da teologia cristã. Quando Kant chama a Deus uma coisa, não quer dizer que Deus seja uma gigantesca formação gaseiforme, que oculta algures a sua essência. Coisa significa aqui, apenas, segundo um rigoroso uso da linguagem, o mesmo que «qualquer coisa», aquilo que é o contrário do nada. Podemos, com a palavra e o conceito «Deus», pensar qualquer coisa, mas não podemos experimentar o próprio Deus, do modo que experimentamos este giz, acerca do qual exprimimos em comum e verificamos afirmações, tais como: «se o deixarmos cair, ele cai a uma determinada velocidade.»