CARNEIRO LEÃO (1977) – FILOSOFIA E CIÊNCIA

Devido ao modo estranho de seu vigor a filosofia se vê relegada, na idade da ciência mais do que em qualquer outra idade, a uma posição marginal. Por isso se torna imperiosa a necessidade de se discutirem as relações entre filosofia e ciência. Pois só discussões dessa natureza poderão preparar o espírito do homem moderno para a grande decisão. A decisão sobre o sentido de sua existência, que toda época histórica sempre de novo impõe ao homem finito. Na era atômica se trata de uma decisão que interessa ao significado existencial-ontológico da ciência: será a ciência a suprema instância do saber humano ou haverá um outro saber mais originário em que se lançam os fundamentos, se traçam os limites e dessa maneira se assegura à ciência sua verdadeira eficácia? Para o destino histórico do homem moderno será necessário um tal saber originário ou poderá ser ele dispensado e largamente substituído? — É isso o que a presente conferência não diz mas procura dizer em tudo que diz ao discorrer sobre a posição da filosofia na idade da ciência.

A primeira divergência, que opõe filosofia e ciência, diz respeito à essencialização de ambas. Como quer que se relacione com a existência humana, a filosofia nunca, e isso em razão de sua própria essência, é segura de si mesma, como a ciência. Embora conheça em seus fundamentos crises de crescimento, o movimento da ciência é sempre linear e contínuo: as conquistas das gerações passadas se conservam e completam nas novas conquistas. Uma ciência pode ser cega para seus fundamentos de possibilidade, sua transparência reflexa pode esquivar-se em princípio a seus processos de investigação, de uma coisa, porém, ela tem sempre certeza;,de seu objeto. A ciência sempre se reconhece como ciência. Ela duvida de mil coisas, só não de si mesma. É que, como tal, a ciência nunca é objeto de investigação científica. Quando um físico investiga o que é a física, não empreende uma investigação física. Se é, como pró-físico ou como metafísico, não interessa discutir agora, em todo caso não é como físico, que pergunta pela essência da física. Pois em sua essência a física não é uma coisa, que se possa observar num espectroscópio de massa ou experimentar num bico de Busen ou calcular com equações maxwellianas. Do mesmo modo, num electroencefalograma ou numa mielografia o neurologista pode encontrar um foco epilético ou um carcionoma medular, nunca, porém, a medicina, como ciência. Assim, a impossibilidade de uma investigação científica da ciência, como tal, é condição de possibilidade de toda ciência.