CARNEIRO LEÃO (AP2) – O PENSAMENTO EM KANT

CARNEIRO LEÃO, Emmanuel, Aprendendo a pensar. Volume II. Petrópolis: Vozes, 1991.

Para ser uma faculdade de pensar, o entendimento é uma faculdade de julgar. Em lugar da apresentação imediata de uma coisa singular, por exemplo deste pedaço de giz, usa-se uma representação geral mais abrangente, quando se diz num juízo: “este pedaço de giz é um corpo”. No juízo aprendemos o dado intuitivo numa determinação mais compreensiva que vale igualmente para outras coisas. Não é somente o giz que é um corpo, muitas outras coisas também são. O que se apresenta diretamente na intuição, nós apresentamos de novo numa ulterior determinação, válida para muitas coisas, isto é, nós o representamos como corpo. O que fazemos então para pensar esta coisa, um pedaço de giz como corpo? Nós fazemos um desvio pela representação corpo, a fim de, depois, voltarmos para o pedaço de giz e apreendê-lo, então, como determinado pela representação corpo. Assim, o pensamento é sempre por sua própria natureza discursivo, discorre pelos desvios da representação para determinar as apresentações da intuição. Nesse caráter discursivo, isto é, no fato de a função judicativa do entendimento ser uma representação de apresentações, neste fato se mostra toda a finitude do pensamento. Para Kant “o pensamento evidencia sempre limitações”, “Denken beweist jederzeit Schranken”. É a esta mesma finitude que se refere Kant quando diz que “nós temos primeiro de soletrar, para ler”, “wir müssen erst buchstabieren, ehe wir lesen”. Isto significa que nunca poderemos ter uma intuição direta e imediata da determinação completa de uma coisa, mas devemos sempre percorrer articulando o que nos é dado previamente na intuição, e só então mostrar sua determinação.

O conhecimento humano se constitui de intuição e pensamento. Ambos os elementos são finitos: a intuição enquanto depende do já existente, o pensamento, enquanto soletrar discursivo. O conhecimento humano é um dar-se a si mesmo o objeto que soletra necessariamente no dado da intuição.

A finitude do pensamento é a razão da possível falsidade, do erro. E que o pensamento não dá o fenômeno, apenas determina o dado, é síntese. O pensamento é a faculdade do juízo. Juízo é uma função de unidade através de um desvio que determina uma apresentação imediata mediante uma representação abrangente. Em suas preleções sobre lógica, Kant define o juízo com as seguintes palavras: “um juízo é a representação da unidade da consciência de várias apresentações ou a representação do relacionamento das apresentações, enquanto elas constituem um conceito”. Com esta caracterização do juízo como uma representação da unidade, Kant dá ao juízo como função de unidade ou conjunção mais um esclarecimento. Pois esta função não é um fato psíquico, que funciona cegamente, mas trata-se de uma função que é em si e em sua essência, representativa. O juízo é uma união que, ao unir, representa também a unidade de sua união e, com relação à unidade do que vai unir, representa também a relação das apresentações a serem unidas.