MUTAÇÕES METAFÍSICAS

M. Houellebecq, Les Particules élémentaires, Paris, Flammarion, 1998, p. 10.

Mutações metafísicas — ou seja, transformações radicais e globais na visão de mundo adotada pela maioria das pessoas — são raras na história da humanidade. Um exemplo é o surgimento do cristianismo.

Uma vez ocorrida uma mutação metafísica, ela se desenvolve sem encontrar resistência até suas últimas consequências. Ela varre sistemas econômicos e políticos, julgamentos estéticos e hierarquias sociais sem sequer prestar atenção. Nenhuma força humana pode interromper seu curso, nenhuma força que não seja o surgimento de uma nova mutação metafísica.

Não é particularmente verdade que as mutações metafísicas atacam sociedades enfraquecidas que já estão em declínio. Quando o cristianismo surgiu, o Império Romano estava no auge de seu poder; supremamente organizado, ele dominava o universo conhecido; sua superioridade técnica e militar não tinha paralelo; dito isso, ele não tinha a menor chance. Quando a ciência moderna surgiu, o cristianismo medieval constituía um sistema completo de compreensão do homem e do universo; servia de base para o governo dos povos, produzia conhecimento e obras, decidia sobre a paz e a guerra, organizava a produção e a distribuição da riqueza; nada disso impediu seu colapso.