REINVENÇÃO DE UMA MÁQUINA CO-CONSTITUÍDA POR SERES HUMANOS

DGMP

[...] Mas é a reinvenção de uma máquina em que os seres humanos são as partes constituintes, e não os trabalhadores e utilizadores subjugados. Se as máquinas motoras constituíram a segunda idade da máquina técnica, as máquinas da cibernética e da informática formam uma terceira idade que recompõe um regime de escravatura generalizada: Os “sistemas homem-máquina” reversíveis e recorrentes substituem as antigas relações de sujeição não-reversíveis e não-recorrentes entre os dois elementos; a relação entre o homem e a máquina é em termos de comunicação interna mútua, e já não de uso ou de ação. Na composição orgânica do capital, o capital variável define um regime de sujeição do trabalhador (mais-valia humana) cujo cenário principal é a empresa ou a fábrica; Mas quando o capital constante cresce proporcionalmente cada vez mais, na automatização, encontramos uma nova sujeição, ao mesmo tempo que o regime de trabalho se altera, a mais-valia se torna maquinal e o enquadramento se estende a toda a sociedade. É como se um pouco de subjetivação nos afastasse da escravatura maquinal, mas muito nos fizesse recuar. Temos sublinhado recentemente até que ponto o exercício do poder moderno não pode ser reduzido à alternativa clássica de “repressão ou ideologia”, mas envolve processos de normalização, modulação, modelação e informação, envolvendo linguagem, percepção, desejo, movimento, etc., e passando por micro-agências. É uma combinação de sujeição e escravatura levada ao extremo, como duas partes simultâneas que não param de se reforçar e de se alimentar uma da outra: somos subjugados pela televisão na medida em que a usamos e consumimos, na situação muito particular de um sujeito de enunciação que se assume mais ou menos como sujeito de enunciação (“vós, caros telespectadores, que vedes televisão...”); a máquina técnica é o meio entre dois sujeitos. Mas somos escravizados pela televisão enquanto máquina humana, na medida em que os telespectadores já não são consumidores ou utilizadores, ou mesmo sujeitos que são supostos “fazê-la”, mas componentes intrínsecos, “inputs” e “outputs”, feedbacks ou recorrências, que pertencem à máquina e já não ao modo como ela é produzida ou utilizada. Na escravatura da máquina, há apenas transformações ou trocas de informação, umas mecânicas e outras humanas. E é claro que não vamos restringir a sujeição ao aspecto nacional, enquanto a escravização seria internacional ou global. Afinal, a informática é também propriedade dos Estados, que se constituem como sistemas homem-máquina. Mas isso acontece precisamente na medida em que os dois aspectos, o da axiomática e o dos modelos de aplicação, estão constantemente a passar um pelo outro e a comunicar entre si. O facto é que a sujeição social é medida em termos do modelo de realização, tal como a sujeição da máquina se estende à axiomática realizada no modelo. Temos o privilégio de sofrer, através das mesmas coisas e dos mesmos acontecimentos, as duas operações ao mesmo tempo. A sujeição e a escravização constituem dois pólos coexistentes, e não etapas.