WILLIAM JAMES – PRAGMATISMO E VERDADE

William James, Le Pragmatisme, trad. franc. de Lee Brun, 1911, pp. 181-188.

Conta-se que Clerk-Maxwell, quando menino, tinha a mania de pedir que lhe explicassem tudo; e quando a explicação o não satisfazia, perguntava de novo: «E isso para que serve?» Certamente que, se tivesse posto a questão da verdade, apenas um pragmatista poderia responder a seu contento. [...]

O pragmatismo formula a sua pergunta usual: «Admitida como certa uma ideia ou uma crença, que diferença concreta resultará dela para a vida que vivemos? Como é que essa verdade se efetivará? Que experiências resultarão, em vez das obtidas a partir de uma crença falsa? Em suma, qual é, em termos de experiência, o valor prático da verdade?»

Ao mesmo tempo que o pragmatismo propõe esta questão, apresenta a resposta: São verdadeiras aquelas ideias que podemos verificar, avaliar, corroborar com a nossa adesão. São falsas aquelas com as quais isso não acontece. Tal a diferença prática que para nós significa o possuir ideias verdadeiras; tal é, portanto, o que devemos entender por verdade, visto ser tudo quanto conhecemos por esse nome.

Esta é a tese que hei-de defender. A verdade de uma ideia não é uma propriedade inerte e inerente a ela. A verdade acontece numa ideia; esta faz-se verdade; fazem-na verdadeira certos fatos. Adquire ela a sua verdade por um trabalho que efetua, pelo trabalho que consiste em verificar-se a si mesma, que tem por fim e resultado a sua verificação. E, do mesmo modo, alcança a sua validez efetuando o trabalho que tem por fim e por resultado a sua validação. [...]

Devo recordar que a posse de pensamentos verdadeiros significa, a bem dizer, a posse de inestimáveis instrumentos de ação. E que o nosso dever de obter essas verdades, em vez de ser um vago mandamento proveniente do Céu, ou um decreto de desenvolvimento que o espírito a si próprio se impusesse, se justifica, ao invés, por excelentes razões práticas.

É demasiado evidente que importa ter na vida crenças verdadeiras sobre os fatos. Vivemos num mundo de realidades que podem ser infinitamente úteis ou infinitamente prejudiciais. Devem ser tidas por verdadeiras em todo este primeiro domínio de verificação, e a prossecução de tais ideias é um dever humano primordial. A posse da verdade, em vez de ser considerada um fim em si mesma, é apenas um meio preliminar para alcançar outras necessidades vitais. Se, perdido num bosque e cheio de fome, descobrir uma vereda de passagem de gado, será da maior importância o pensar que no termo do caminho poderei encontrar uma habitação humana, pois o fato de pensar nisso e agir em conformidade livra-me do embaraço. O pensamento verdadeiro é útil neste caso, porque diz respeito a um objeto útil.

O valor prático das ideias verdadeiras deriva, assim, praticamente, da importância prática para nós dos seus objetos. O objeto de uma ideia verdadeira nem sempre tem, aliás, essa importância. Noutras circunstâncias, pode a casa de há pouco não ter nenhuma utilidade para mim: então a ideia que dela possua, ainda que verificável, será praticamente inadequada e convirá que permaneça latente.

No entanto, não há objeto que não possa um dia tornar-se momentaneamente importante. Existe, pois, vantagem manifesta em possuir uma reserva de verdades adicionais, ideias que podem ser verdadeiras em circunstâncias simplesmente possíveis. Armazenamos essas verdades adicionais na nossa memória e com o que sobra enchemos de referências os nossos livros. Quando uma verdade adicional chega a ser praticamente aplicável a uma necessidade atual, abandona o armazém de depósito, o frigorífico, onde se conservava, para agir no mundo real; e torna-se ativa a nossa crença. Assim, poderá dela dizer-se ou que «é útil porque é verdadeira», ou então que «é verdadeira porque é útil». As duas frases têm idêntico significado, isto é: trata-se de uma ideia que se realiza e se pode verificar. «Verdadeiro» serve-nos para a ideia que põe em movimento o trabalho de unificação; «útil» serve-nos para a função desempenhada pela ideia, quando tal função se completou no mundo da experiência.