Pickles1985
O homem não é essencialmente uma entidade que está ali no mundo, como uma pedra, e a sua própria espacialidade não pode ser pensada como algo como “a ocorrência numa posição no ‘espaço-mundo’” (Heidegger, 1927, 105). Se a proximidade nos assuntos humanos fosse uma função das distâncias métricas, então um pé teria de ser considerado mais próximo do que um metro. Mas a proximidade não tem o tipo de relação dada pelas medidas espácio-temporais. A proximidade nos assuntos humanos não depende do espaço e do tempo concebidos como parâmetros (Heidegger, 1971c, 102-6). Mas também não pode ser como uma peça de equipamento, com o seu lugar. Estes são dois modos de ser com os quais o homem está familiarizado nas suas relações teóricas e práticas com os entes do mundo, mas não são o seu próprio modo de ser. A espacialidade do homem tem de ser descoberta dentro do mundo, não imposta a priori. Tem de ser descoberta como aquilo que está mais próximo, de uma forma semelhante à descoberta das entidades prontas a usar.
Ao interrogarmo-nos sobre a natureza do espaço e da espacialidade humana como fundamento de uma ciência do mundo do homem, vimos como Heidegger sublinha o caráter de lugar da espacialidade. É talvez para apontar para este carácter de lugar da espacialidade que ele começa o seu ensaio sobre “Arte e espaço” (1969b, 3) com uma interpretação do “topos” de Aristóteles, como algo esmagador e difícil de apreender; que tem o carácter de espaço-lugar. Além disso, devemos lembrar-nos que os “lugares” são sempre lugares para habitar. Heidegger sugere neste ensaio, tal como o fez anteriormente em Ser e tempo, que a criação de espaço através da limpeza se baseia na instalação, localização e habitação do homem; que a habitação significa sempre a criação de lugares. Os lugares abrem uma região na qual as coisas se reúnem e podem ser as coisas que são. Um tal lugar não se situa num espaço tecnológico. É um espaço que se descobre através dos lugares de uma região. Os espaços paramétricos são o produto da própria projeção, tematização, objetivação e formalização científicas a que nos referimos em pormenor no Capítulo 7. Estas concepções formalizadas do espaço derivam e permanecem fundadas numa experiência do mundo, que é primordialmente uma experiência de habitação e de criação de lugares. Os lugares de habitação, com os seus horizontes ou regiões de envolvimento preocupante com o mundo, as coisas e os outros, através de um processo de distanciação e abstração, são gradualmente esquecidos quando as concepções tecnológicas de espaço são projetadas para coisas sem mundo e ainda não humanas. O lugar não está localizado num espaço pré-dado, como este espaço físico e tecnológico. O espaço também não é uma criação arbitrária e, portanto, subjectiva da consciência. O espaço tecnológico só se revela através do “reinado dos lugares de uma região”.
Vemos agora que, para além do seu significado como desobstrução de lugares, a espacialidade tem um significado ainda mais fundamental. Significa um lugar desimpedido ou libertado para o povoamento e a habitação. A desobstrução “tem lugar” num horizonte (ou limite) dentro do qual começa a habitação; a desobstrução torna-se a região da habitação. Assim, o espaço nasce da criação de “lugares de habitação”. De um certo ponto de vista, estes lugares podem ser tratados como pontos com distâncias mensuráveis que os separam num coletor tridimensional. Através de uma série de abstrações, podem ser projetados espaços nos quais esses pontos podem ser localizados. Em última análise, existe a possibilidade de um espaço puramente matemático construído com qualquer número de dimensões escolhido. Mas esse espaço formal não contém “espaços”, lugares e localizações, nos quais o homem habita. É um espaço de pontos-mundo, indiferenciado e indiferenciável. Em contrapartida, nos lugares reunidos em torno de localizações há sempre a possibilidade do espaço como intervalo e extensão pura. Este último é fundado unilateralmente no primeiro.