Stiegler1994
A tecnologia é inicialmente definida como o discurso sobre a técnica. Mas o que significa técnica? Em geral, a técnica designa hoje na vida humana o domínio restrito e especificado das ferramentas, dos instrumentos, ou apenas das máquinas (Mumford pensa assim toda a instrumentalidade a partir da máquina).
A técnica (tekhne) designa no entanto e antes de tudo os saberes-fazer. O que não é saber-fazer? A polidez, a elegância, a culinária são saberes-fazer. Todavia, apenas neste último caso temos uma produção, uma transformação de materiais, de "matérias-primas" em "matérias secundárias" ou produtos, e é por isso que a culinária, como ocorre no Górgias, é mais facilmente reconhecida como técnica, saber-fazer produtivo, in-formando a matéria. Este é o modelo do artesão, operador (causa eficiente) da poiesis, ou produção, de onde se desenvolve a teoria das quatro causas, a partir da qual a tradição compreende a técnica.
A dança produz um espetáculo. A elegância não é também um espetáculo? A dança é tekhne. Assim como a elegância, ela não se "produz" necessariamente para os outros (como comércio social ou espetáculo comercial), pode apenas proporcionar, como aliás toda técnica, prazer à sua "causa eficiente". A retórica, a poesia são também técnicas. E há poético e retórico em toda linguagem. A própria linguagem não seria, como saber-fazer, uma técnica, e um comércio, eventualmente monetizável? A fala que pressupõe um saber-fazer é produtiva mesmo que a fala não seja a "especialidade" de quem fala: ela produz enunciados. Estes podem ser vendidos ou não, como todos os produtos de uma tekhne. É portanto difícil limitar o campo da técnica.
Todo agir humano tem algo a ver com a tekhne, é de certo modo uma tekhne. No entanto, no conjunto do agir humano, isolam-se "as técnicas". Isso significa na maioria das vezes: saberes-fazer especializados, que não são compartilhados por todos. Assim, a técnica do artesão, ou a do médico, ou a do arquiteto e do engenheiro, bem como a do filósofo, do artista ou do retórico. Uma técnica é um saber-fazer particular que não é indispensável à humanidade de um homem particular. Tal é a compreensão que se tem implicitamente dela. Tentaremos mostrar ao longo desta parte que se trata de uma compreensão insuficiente, já restritiva e derivada do que é a técnica. É contudo essa diferença (a especialização) que permite a constituição de meios técnicos nos meios étnicos e seu progressivo desligamento do território.
A tecnologia é assim o discurso que descreve e explica a evolução dos procedimentos e técnicas especializados, das artes e ofícios — seja sobre um certo tipo de procedimentos e técnicas, seja sobre o conjunto das técnicas enquanto formam sistema: a tecnologia é então o discurso sobre a evolução desse sistema.
No entanto, chama-se hoje mais frequentemente tecnologia a técnica quando integra ciência, em oposição às técnicas tradicionais pré-científicas. Com a técnica como "ciência aplicada" nasce o corpo de engenheiros. Desse sentido tornado corrente deriva o conceito de tecnociência onde técnicas e ciências se tornam inseparáveis, onde a racionalidade é submetida à utilidade — para Habermas, a utilidade do capital como "atividade racional em relação a um fim". É uma inversão, quando não uma perversão, do modelo epistemológico inicial da filosofia onde a teoria, essência da ciência, se define por sua independência em relação às finalidades úteis, isto é, antropocêntricas. A tecnociência está no entanto a serviço do homem, ou a serviço da própria tekhne? É realmente a utilidade que governa a concretização? Se a tecnologia, por muito tempo sinônimo de progresso, não é mais necessariamente percebida como tal, ou melhor, se não é mais evidente que o progresso equivalha a um benefício para o gênero humano[9], sentimento que anima profundamente as reações multifacetadas de resistência ao desenvolvimento, pode-se ainda afirmar que a tecnociência submete a teoria às finalidades úteis — a utilidade sendo sempre compreendida como utilidade-para-o-homem?
A técnica seria então a si mesma seu próprio fim. Numerosos autores que o sugerem veem nessa autofinalização da técnica uma possibilidade monstruosa, escandalosa do ponto de vista ontológico, daquilo que é, ou do "que deve ser". No entanto, análises desse tipo, opondo ainda fins e meios, permanecem obstruídas por categorias que não podem mais dizer o que é a técnica. Se a técnica pode se autofinalizar, isso significa que a oposição entre fins e meios não pensa mais suficientemente longe.