Bougnoux1993
O Fedro, diálogo composto por Platão em sua maturidade, é uma obra de grande variedade de tom e preocupação, da qual extraímos o famoso episódio da apresentação da escrita, presente na quarta parte.
O rebaixamento da escrita, ou a negação de seus poderes em um Diálogo cuidadosamente escrito (mas cujo herói, Sócrates, encarna a figura do filósofo que não escreve…), organiza profundamente o pensamento de Platão. E além de sua obra, o mesmo elogio à palavra viva dá à história da filosofia grande parte de sua lógica. Jacques Derrida caracterizou essa lógica como logocêntrica: a voz constitui o meio mais imaterial, enquanto a escrita duplica e reforça uma mediação técnica. Se o ser estiver o mais próximo possível da voz, a escrita que a substitui ou complementa será sempre suspeita de artifício ou de uma mediação altamente equívoca.
No decorrer do diálogo de Sócrates com o jovem Fedro (ambos estão deitados ao lado de uma árvore casta em flor às margens do Ilissos, com vista para a Acrópole), esse equívoco é apresentado por meio de uma palavra particularmente rica em inversões: a escrita é um phármakon, em outras palavras, uma droga, uma poção, um remédio que está muito próximo de um veneno, às vezes bom e às vezes ruim. Ao usá-la, as pessoas correm o risco de esquecer o conhecimento mais importante, aquele do pensamento quando reside em si mesmo, ou daquela memória imediata (sem mediação técnica) e que, portanto, se diz que é “de cor”.
Na cena egípcia retratada por Sócrates, o pequeno deus Theuth, ou Toth, está tentando fazer com que o grande deus Thamous aprove sua última descoberta, a escrita, que ele elogia explicando que aliviará a memória do homem. Mas o rei rebate dizendo que ela só produzirá opiniões e não a ciência desejada, a fonte da verdade. Toth argumenta que a escrita estenderá demais o alcance das mensagens, ao que Thamous retruca: “Você não vai se telecomunicar…”. Uma mensagem que viaja para longe de sua fonte corre o risco de vagar e distorcer: seu autor não está mais lá para auxiliar um significado que agora está órfão.
Em suma, a escrita concentra os riscos envolvidos em qualquer significante, ou na técnica em geral: auxiliaridade, com a possível inversão da hierarquia natural (a representação substituindo a presença); os mortos se apoderando dos vivos (a monumentalidade fixa da escrita é o esquecimento da “vida”): impessoalidade (nenhuma assinatura pode dominar um texto a longo prazo), e uma perambulação constitutiva: a mensagem escrita rolará ao acaso dos encontros e interpretações, como um “filho bastardo” e assassino de seu pai (o logos ligado à palavra viva)…
Até que ponto esse diálogo, embutido várias vezes em si mesmo (veja o comentário de Jacques Derrida sobre a complexa cenografia do Fedro), representa o pensamento de Platão? Será que o autor dos Diálogos pretendia criticar a escrita nos mesmos termos que Thamous? E como ele via “o crescimento desses frágeis jardins”? Sem poder abordar essa questão aqui, podemos notar a ambivalência de Platão a esse respeito e sua posição histórica de transição entre dois paradigmas. Até o século V a.C., como apontam Barry Sanders e Ivan Illich, a educação ateniense era puramente oral, musical e ginástica. “Seu eixo era a mousike: os alunos praticavam a recitação e a improvisação de poemas, praticavam a retórica rítmica, aprendiam a tocar instrumentos de corda e de sopro, eram treinados em canto e dança.” Assim, na época de Platão, os acadêmicos ainda podiam recitar o épico homérico de cor! (Como aprendemos com o diálogo Íon.) Platão foi o primeiro autor grego desconfortável em seu papel, o primeiro (Illich e Sanders apontam) a escrever enquanto se preocupava em trair a palavra: “Ele lamentou o efeito que o alfabeto teve em seus alunos. […] Antes dele, esta desconfiança a respeito do alfabeto se refletiu no Prometeu acorrentado de Ésquilo; Zeus aí castigou Prometeu por ter trazido à humanidade o alfabeto, “a arte de combinar letras, a mãe criativa das Musas, por meio da qual todas as coisas são mantidas na memória”. Zeus havia gerado filhas na fonte de Mnemosine para que elas borbulhassem e fluíssem, não para que ficassem presas na escrita” (ibid.).
É impressionante que esse confronto exemplar entre Theuth e Thamous e a resposta do rei dos deuses tenham (graças à escrita) atravessado a história, onde os mesmos argumentos serão retomados repetidamente: contra a retórica e o sofisma, contra os auxílios mecânicos do cálculo ou da combinatória (as “características” de Leibniz), contra os ideogramas (cf. o texto de Hegel abaixo) e, hoje, contra a computação, o software e as “memórias artificiais” dos computadores.
Mas a mesma história também mostra que é por meio da longa cadeia de inscrições, e hoje por meio de telas, que as ciências e a razão gráfica progridem. A posição resumida por Thamous (se não por Platão) constitui, portanto, uma negação das condições reais de produção do pensamento (cf. abaixo, no capítulo VI, os textos “mediológicos” de Jack Goody e Bruno Latour).