LUIJPEN, W.. Introdução à Fenomenologia Existencial. São Paulo: EDUSP, 1973
A fenomenologia denomina o sujeito-como-cogito, o conhecimento humano, “intencionalidade”.1 Quando Husserl usou esse termo pela primeira vez,2 referiu-se expressamente a Brentano.3 O certo, porém, é que Husserl não tomou de Brentano senão a palavra, visto que lhe deu um significado inteiramente diverso do que o de Brentano. Na escolástica também ocorre a “intencionalidade”, empregada para designar as species impressae (imagens impressas), formas substitutas da realidade bruta. A escolástica concebia a realidade como separada do sujeito-como-cogito e esperava das imagens substitutas no sujeito que constituíssem a ponte entre este e a realidade. Se perguntarmos qual o modo de ser de tais imagens, a escolástica responderá que não têm um ser entitativo, mas só intencional. Isso quer dizer que todo o seu ser consiste em seu referir-se à realidade. Portanto, o sujeito-como-cogito separa-se primeiro da realidade, para só depois entrar em contacto com ela por meio das imagens impressas.
Quando Husserl emprega o termo “intencionalidade”, rompe com a ideia de um sujeito isolado do mundo e, portanto, “fechado”, descrevendo o sujeito-como-cogito, o próprio conhecimento, como direção-para e abertura-ao-mundo. O conhecimento, portanto, não é a “morada de imagens cognitivas” na interioridade do sujeito, mas presença imediata do sujeito como uma espécie de “luz” numa realidade presente. Como modo do ser-homem o conhecimento humano é uma maneira de existir, uma maneira de ser-envolvido-no-mundo, isto é, o sujeito mesmo. Logo, o sujeito não é “primeiro” e por si uma “coisa psíquica”, para “depois”, por meio de imagens cognitivas, entrar em relação com as coisas físicas. O conhecimento não é “algo entre duas coisas por si”, nem uma relação entre duas realidades diversas, mas o próprio sujeito envolvido no mundo4.
A bem dizer, a teoria das imagens sucedâneas pressupõe precisamente o que não quer admitir. De fato, não quer reconhecer que o sujeito-como-cogito está imediatamente presente à realidade, e, entretanto, essas imagens cognitivas são chamadas imagens da realidade. Como isso é possível, desde que o sujeito não está imediatamente presente à realidade ? Suponhamos que moram no sujeito imagens reais da realidade. Nesse caso, deve haver uma razão para se admitir que elas são realmente imagens, i. é, formas que representam a realidade. Entretanto, isso só pode ser afirmado se o sujeito está imediatamente presente à realidade, para se reconhecer, com base nessa presença, o verdadeiro ser-imagem das imagens. E quem concebe esta sempre pressuposta presença-à-realidade como a “morada de imagens no sujeito”, adia ao infinito a possibilidade de conhecer o ser-imagem dessas imagens. Imagens cognitivas só podem denominar-se imagens com fundamento na presença imediata do sujeito a uma realidade presente.5 Mas então deixam de ser necessárias.
Ideen I, Merleau-Ponty, Phénoménologie de la Perception. 79-80, 203-212, 357-358. “A propriedade fundamental dos modos de consciência em que vivo como ‘eu’ é a chamada intencionalidade”. E. Husserl, Cartesianische Meditationen und Pariser Vorträge, (Husserliana I), p. 13. ↩
“Falaremos, pois… de ‘vivência’ no sentido fenomenológico acima fixado. O adicionado qualificativo intencional designa o caráter essencial que é comum à classe de vivência a ser limitada, a propriedade da intenção referente à maneira da representação ou de qualquer outro modo análogo de se relacionar objetivamente”. E. Husserl, Logische Untersuchungen, II Band, I Teil, Halle a.d.S., 1928, p. 378. ↩
“Note-se bem que não se trata aqui de uma relação entre um conhecimento psicológico — chamado conhecimento — e outro ser-aí real — chamado objeto — ou de uma ligação psicofísica e, de qualquer modo, real, que se estabelecesse na realidade objetiva entre um e outro. A questão aqui e em todos os lugares é a respeito das vivências puramente fenomenológicas, i. e., da sua essência e daquilo que está incluído em sua essência a priori, com absoluta necessidade”. Ideen, I, p. 80. ↩
“A coisa espacial vista por nós é, apesar de toda sua transcendência, percebida, algo conscientemente dado em sua corporalidade. Em seu lugar não é dada uma imagem ou um sinal, pois não se atribui à percepção uma consciência de sinal ou imagem”. Ideen, I, Merleau-Ponty, Phénoménologie de la Perception. 98-99. ↩