Nougues2014

O autómato, a máquina, intervém em três momentos cruciais do dispositivo lacaniano, assumindo de cada vez funções diferentes. Já em “O estádio do espelho”, e portanto nos anos 30, antes da cibernética, Lacan coloca o autómato na série de imagens com as quais o sujeito humano se pode identificar. O psicanalista quis mostrar como o sujeito humano cria a unidade do seu corpo ao alienar-se numa imagem. Na sua forma imediata, o corpo da criança pequena é fragmentado, constituído por uma simples variedade de sensações e apetites. Só adquire unidade a partir do exterior, quando a criança o reconhece como um objeto numa imagem: a criança reconhece-se no espelho, isto é, identifica o corpo que lhe é dado a partir do interior como diverso, com o objeto que lhe corresponde no reflexo. Mas esse reconhecimento no espelho é uma primeira alienação, pois o sujeito humano constitui-se em referência a um exterior, integrando em si uma imagem externa. E essa alienação”, continua Lacan, ”é apenas a primeira de uma série :

é também cheia de correspondências que ligam o eu à estátua na qual o homem se projecta, bem como aos fantasmas que o dominam e, finalmente, ao autómato onde, numa relação ambígua, o mundo da sua feitura tende a terminar.

O autómato é aqui uma das imagens em que o sujeito se reconhece, um dos elementos que entram num eu imaginário, da mesma forma que o reflexo no espelho. O sujeito vê-se como um corpo unificado num espelho, como um autómato nesta espécie de espelho que lhe é oferecido pela ciência e, em breve, pela cibernética.

Norbert Wiener