2) No entanto, se consideramos a experiência como material original que não se deixa decompor em diferentes substratos, como corpo e consciência (Avenarius, James), surge então a pergunta sobre se resolvemos o problema da chamada autonomia do ser das coisas, ou se o anulamos, formulando-o erroneamente. Este último parece ser o caso. De fato, a coisa e a percepção da coisa não estão dadas separadamente na experiência (esta ideia de Avenarius, embora em outra forma, já está contida na doutrina de Santo Agostinho). Cabe insistir, com razão, em que essa distinção é o resultado de um preconceito intrínseco nas categorias aristotélicas. No entanto, a pertinácia dos preconceitos é sempre digna de consideração, tanto mais quanto eles, por sua tenacidade, criaram uma situação em que a experiência, como material original, não parece intuitivamente mais acessível que os membros da dicotomia, há pouco abolida, entre corpo e espírito. A fonte do preconceito se encontra na necessidade de experimentar a comunidade humana. A comunidade pode estar constituída por uma coisa, ou seja, por nossa presença dentro de algo que é idêntico a si mesmo para tudo o que percebe. Portanto, cada um dos que percebem deve ser determinado como uma das coisas, pois só é compreensível por referência a elas. Ora, a percepção não pode deixar de distinguir a coisa humana; daí os distintos nomes que se empregaram para designar seu substrato natural (eu, alma, sujeito, consciência, espírito).
Talvez uma cultura em que o sentimento da comunidade estivesse dominado pela resistência coletiva contra a natureza, julgada bárbara e tosca, tenha constituído espontaneamente o conceito de substância, criando assim o problema do conhecimento. E talvez uma cultura em que se experimente a dependência frente a um mundo culturalmente organizado, frente aos produtos humanos, não necessite constituir o sentimento comunitário sobre a oposição sujeito-coisa. Uma cultura assim pode ser capaz de reconhecer o primado do ato de percepção. Desde meados do século XIX têm-se multiplicado as formulações da perspectiva antropocentrica; ela recusa a pergunta de Berkeley, rejeitando a distinção entre sujeito e coisa, tanto na versão cartesiana (as atividades do ego são o dado: de que maneira devemos certificar-nos de que se orientam rumo à coisa?) quanto na realista (a coisa é o dado: que é aquilo em que a coisa se torna sua imagem?).