A informática herda da lógica seus principais caracteres, na medida em que os utiliza. Como a lógica, a informática é um conjunto de instrumentos que primam pelo rigor de uma racionalidade artificial; instrumentos de conhecimento, ao mesmo tempo objetos de conhecimento. A tecnologia da informação toma da lógica o princípio de seu funcionamento, pela vertente da álgebra de Boole, e assim se apresenta como uma “interpretação técnica do cálculo das proposições, a encarnação no cobre o no silício das regras válidas do pensar” (Chazal, 1995, pág. 32).
Enquanto arremeda uma pretensa “inteligência artificial”, a tecnologia da informação propõe-se como um novo instrumento de apoio ao pensar. Mas que pensar é este, fundamentado na lógica e no cálculo? Diante da produção, comunicação e consumo crescente de informação, através das “tecnologias da inteligência”, Heidegger faz um convite ao aprofundamento desta questão:
É por isso que também se torna necessária a formulação do que até agora foi silenciado: situa-se este pensamento já na lei de sua verdade se apenas segue aquele pensamento compreendido pela “lógica”, em suas formas e regras? Por que põe a preleção esta expressão entre aspas? Para assinalar que a “lógica’ é apenas uma das explicações da essência do pensamento; aquela que já, o seu nome o mostra, se funda na experiência do ser realizado pelo pensamento grego. A suspeita contra a lógica – como sua consequente degenerescência pode valer a logística – emana do conhecimento daquele pensamento que tem sua fonte na experiência da verdade do ser e não na consideração da objetividade do ente. De nenhum modo é o pensamento exato o pensamento mais rigoroso, se é verdade que o rigor recebe sua essência daquela espécie de esforço com que o saber sempre observa a relação com o elemento fundamental do ente. O pensamento exato se prende unicamente ao cálculo do ente e a este serve exclusivamente. Qualquer cálculo reduz todo numerável ao enumerado, para utilizá-lo para a próxima enumeração. O cálculo não admite outra coisa que o enumerável. Cada coisa é apenas aquilo que se pode enumerar. O que a cada momento é enumerado assegura o progresso na enumeração. Esta utiliza progressivamente os números e é, em si mesma, um contínuo consumir-se. O resultado do cálculo com o ente vale como o enumerável e consome o enumerado para a enumeração. Este uso consumidor do ente revela o caráter destruidor do cálculo. Apenas pelo fato de o número poder ser multiplicado infinitamente e isto indistintamente na direção do máximo ou do mínimo, pode ocultar-se a essência destruidora do cálculo atrás de seus produtos e emprestar ao pensamento calculador a aparência da produtividade, enquanto, na verdade, faz valer, já antecipando e não em seus resultados subsequentes, todo ente apenas na forma do que pode ser produzido e consumido. 0 pensamento calculador submete-se a si mesmo à ordem de tudo dominar a partir da lógica de seu procedimento. Ele não é capaz de suspeitar que todo o calculável do cálculo já é, antes de suas somas e produtos calculados, num todo cuja unidade, sem dúvida, pertence ao incalculável que se subtrai a si e sua estranheza das garras do cálculo. O que, entretanto, em toda parte e constantemente, se fechou de antemão, às exigências do cálculo e que, contudo, já a todo o momento, é, em sua misteriosa condição de desconhecido, mais próximo do homem que todo ente, no qual ele se instala a si e a seus projetos, pode, de tempos em tempos, dispor a essência do homem para um pensamento cuja verdade nenhuma “lógica” é capaz de compreender. Chamemos de pensamento fundamental aquele cujos pensamentos não apenas calculam, mas são determinados pelo outro do ente. Em vez de calcular com o ente sobre o ente, este pensamento se dissipa no ser pela verdade do ser. Este pensamento responde ao apelo do ser enquanto o homem entrega sua essência historial à simplicidade da única necessidade que não violenta enquanto submete, mas que cria o despojamento que se plenifica na liberdade do sacrifício. (Heidegger, 1999, pág.70-71)
Referências:
Tese de Doutorado em Filosofia (UFRJ, 2005)