C. Delacampagne, Sobre a natureza do real1)
Numa escura e nebulosa noite de inverno, o capitão de um navio aventura-se a cruzar um estreito cujo mapa ele não possui. Se destruir seu barco contra os rochedos, saberá o que o estreito não é. Se, em compensação, conseguir atravessá-lo, não terá, nem por isso, aprendido nada sobre o melhor caminho possível. Terá tido sorte, mas nunca saberá o que o estreito é.
Esta fábula ilustra a situação na qual se encontra não só o cientista mas todo indivíduo perante o que se convencionou chamar de real. A natureza final deste nos escapará sempre. Por quê? Porque os conhecimentos que pensamos ter sobre a realidade só existem, no final das contas, no nosso cérebro. A ciência não passa de uma linguagem; os resultados das experiências são,apenas dados perceptivos registrados por nossa mente. O real e a concepção que temos dele são uma coisa só. Nós é que a construímos. Nós é que a inventamos.
“Como sabemos o que pensamos saber?” (Artigo publicado no Le Monde, 4 de março de 1988. ↩